segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Última blogagem de 2009.


Hamlet y el fantasma de su padre. Henry Fuseli


Há um ano, mais ou menos, comecei este blogue com o intuito de escrever pelo menos de quinze em quinze dias. Não fui tão disciplinado assim, houve falhas várias, mas no geral foi uma experiência muito rica, os textos tomaram seu próprio rumo, escrevi sobre o que queria e sobre o que senti necessidade, nem sempre necessariamente o que me fosse agradável. Estamos renovando a promessa da abertura do blogue nesta última blogagem do ano, continuaremos escrevendo.


O amigo poeta Jorge de Barros recentemente propôs, no blogue Sapateiros de Palavras: "Qual o papel de um grupo literário em uma cidade de analfabetos funcionais"; uma discussão que pretendo aprofundar, mas só o ano que vem, pois vai dar muito pano para manga e receio que não haja uma única resposta, e não seja muito simples.


Em relação ao natal do ano passado posso dizer que estou muito melhor, pois estou conseguindo ficar em pé sem me apoiar em nada e olhar para a tela do computador sem sentir náuseas e correr para vomitar. No dia 25 de dezembro do ano passado, fui acometido de uma crise de labirintite muito forte, tirante as tontices normais da idade, estou ótimo.


2009 foi um ano estranho, como tem sido todos os anos de minha vida. mas em especial os últimos cinco, leonino com ascendente em aquário, tudo em minha existência tem girado em torno da contradição. Filho de Athena e Hera, a tudo tento racionalizar, quando todos sabemos que neste mundo nada faz sentido, por que não tem sentido. Lembro da frase do poeta Jorge de Barros muito emblemática, “quando nasci o mundo já não fazia sentido”. A minha casa é meu refúgio, mas mesmo nela me sinto um exilado, sinto como que se eu pessoalmente tivesse sido expulso do paraíso, e em nenhum lugar encontre descanso. A tudo tento aplicar justiça, quando vivemos em meio a injustiça, e verdadeira justiça é a que for para todos sem que ninguém fique de fora. Não sou um bom companheiro de luta, pois me cansei e desisti, não tenho o ânimo de lutar toda uma vida, nunca serei um imprescindível segundo Bertold Brecht, desisto com o mesmo entusiasmo que começo alguma empreitada. Estou mais para o estribilho da música da banda americana R.E.M.: “I's The End Of The World As We Know It {And I Feel Fine)” - (É O Fim do Mundo Como Nós O Conhecemos (E Eu Me Sinto Bem)}. Ou a frase lapidar de Belchior que encerrou a minha juventude, “Não sou feliz, mas não sou mudo, hoje canto muito mais”. Vou vivendo um dia de cada vez, por isso não consigo escrever um romance, pois precisaria de mais continuidade, por isso abandonei a música, que precisava de disciplina e dedicação exclusiva, por isso parei de pintar, pois não sabia mais o que fazer com os quadros, por isso escrevo poesia, que embora tome um grande tempo, e exija grande disciplina, está mais para a espontaneidade e a velocidade da síntese. Além do que o poema gruda na gente feito visgo, não existe querer para o poema, se não escrevê-lo, este o atormentará até à insanidade (se é que já não o seja).


E temos então a poesia, esta péssima companheira de viagem, mas que não consigo abandonar, e que receio me acompanhe até depois da morte. Esta forma episcopal de ficar psicografando memórias dos meus “eus” que já morreram, mas que insistem em continuar a me atormentar.

“tirinha” – DGABC 26/12/2009




É impressionante como uma inocente “tirinha” do Chico Bento publicada no jornal Diário do Grande ABC, caderno Cultura e Lazer, pode conter um ingrediente da exclusão social em nosso país. Trata-se do preconceito lingüístico, termo cunhado pelo professor Marcos Bagno, mas que se encaixa perfeitamente neste caso.  Na “tirinha”,  o Chico Bento mostra entusiasmo com seu novo animal de estimação,  um papagaio, ao amigo Zé da Roça, declarando as qualidades do bichinho de ser um bom falador, e de falar tudo “certinho”, ao que o Zé retruca em seco, que o Chico então poderia aprender a falar com o papagaio.

Parece uma piada besta, mas não é, estou cansado de ver pessoas com idade e experiência,  serem corrigidas em seu falar gostoso e brejeiro, por discípulos do Pasquale Cipro Neto, sendo desrespeitados como seres humanos integrais que são. Cada pessoa carrega sua bagagem de conhecimento, e nem sempre isto é acadêmico. É mais do que provado, por lingüistas sérios e teóricos da educação, que os “erros” de português na verdade são dialetos pessoais, todos plenamente explicáveis,  e ao menos que estejamos escrevendo um documento oficial, cada pessoa tem o direito de falar da forma que lhe for mais conveniente e confortável, em especial em seu ambiente de origem. A repetição do preconceito é anti-producente para todos.

Por fim, tenho que ressaltar o anacronismo destas “tirinhas”, muito antigas, que mostram a professora tirana e estereotipada, que não foi alcançada por conceitos básicos de pedagogia, piadas que carregam conteúdo preconceituoso  e excludente social. Com tantos bons cartunistas que existem na região, o Diário do Grande ABC poderia renovar esta parte do jornal, que tenho certeza que é muito lida por todos os leitores e de todas as idades.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

OUTRAS PALAVRAS - POÉTICAS DES-DO-BRA-DAS - 16/12/2009



OUTRAS PALAVRAS – POÉTICAS DESDOBRADAS,  uma noite dedicada a poesia e aos amigos, linguagens possíveis da poesia se conversando.





 
Leitura de poemas com o acompanhamento do Percutindo Mundos.




Música Livre - Percutindo Mundos. 




Lendo poemas na Casa da Palavra, a casa da poesia do Grande ABC.


"No descomeço era o verbo. / Só depois é que veio o delírio do verbo. / (...) Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos / — O verbo tem que pegar delírio". Manoel de Barros.


CASA DA PALAVRA – ESCOLA LIVRE DE LITERATURA
PRAÇA DO CARMO, 171, CENTRO – SANTO ANDRÉ, SP
TELEFONE: 4992-7218

16/12/2009, às 19:00h


TELEFONE: (11) 4992-7218

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Romper as fronteiras que estão dentro de seus corações.




Se tem uma coisa que me irrita profundamente, são críticas anônimas, ou  situações que quando sou atacado sem chance de defesa. Coloco meu nome em tudo que faço e escrevo, nem sempre estou certo, mas seja lá de quem esteja falando, este sempre terá a chance de retrucar, até mesmo de me fazer mudar de idéia, por que não. O anonimato é coisa de gente mesquinha, perigosa, ressentida, covarde,  desleal e fascista. Mesmo esta delação de criminosos, anônima ou premiada,  me põe um certo receio, embora plenamente justificável em determinadas situações, mesmo assim tem um potencial de revanchismo e vingança barata, típicos de sociedades totalitárias e reacionárias, a “caça as bruxas” medieval e o nazismo se deram nestas bases, não gosto de meu vizinho, denuncio-o como bruxo ou judeu.  Já ouvi casos de delação por tráfico de drogas feitas por um vizinho que não gostava do ensaio de uma banda de rock, demorou para os meninos explicarem que ali era uma casa e não uma “boca”, ficaram marcados pela violência policial e pelo preconceito que existe em certos círculos contra pessoas jovens.  O delator, este sim um criminoso, se safou por trás da garantia do anonimato.


Por que estou a escrever isto, aconteceu em um outro blogue, espaço de um grupo da cidade onde moro, ao qual pertenço, a Taba de corumbê -  (http://tabadecorumbe.blogspot.com)  ter recebido uma crítica anônima, que por um espírito democrático e muito ingênuo de minha parte, não foi moderado. Acontece que o “espírito livre”, abusou da cortesia e se transformou em um “espírito de porco”. Fazendo acusações caluniosas e utilizando de um linguagem chula e recheada de trocadilhos que insinuavam ou se utilizavam de calões. Percebe-se até uma certa erudição em tal pessoa, ou um conhecimento livresco, o que torna mais inefável ainda seu ato.


Por que é que quando alguém tenta fazer algo pela Cultura de uma cidade, logo aparece um crítico detrator? Passam-se anos e décadas que nada acontece, tudo é um silêncio de deserto. Começam e terminam mandatos que sequer apelam minimamente para a Cultura. Quando um grupo de pessoas se reúne em prol de uma causa comum, o sucesso pífio que conseguem, provoca inveja e ressentimento naqueles que por inércia, ficaram acomodados. Um atoleiro de injúrias difamatórias pode ser esperado.


Das coisas ditas nos comentários do blogue, que não apaguei e espero o cavalheirismo de uma assinatura, as que mais me deixaram triste foram três: “puxação de saco”, discursos laudatórios e politicagem ufanista.


Bem lhes digo, me chame por um palavrão, mas não me use a expressão “puxa saco”, dirigida à minha pessoa, para meus próximos detratores aqui vai uma grande dica, “puxa saco” e vagabundo são as piores ofensas que me podem ser feitas. Cresci em um ambiente de fábrica, meu pai é ainda peão, comecei a trabalhar em uma linha de produção quando não tinha barba ainda. Não se chama um trabalhador honesto de puxa saco, nem de brincadeira, quem gosta desta acunha são os “traíras”, os traidores que trabalhavam junto a nós, mas eram agentes do patrão. Faz muito tempo que não piso o chão de uma fábrica, o que me dá muitas saudades, mas a moral que se aprende ali, é para toda uma vida. Fui filiado ao sindicado antes de tirar o título de eleitor, que naquela época não valia nada mesmo.


Tenho negociado espaços para que o grupo se reúna, e isto infelizmente se tem que fazer com o poder público, ainda não tomamos o que é nosso por direito, então a democracia pede uma mediação. Isto não me torna um “puxa saco”, mas sim uma pessoa de estomago forte,  mas enquanto os “puros” se mantém à distancia, faço o meu papel. Considero o espaço público como espaço de todos, não vou me limitar à periferia, às favelas, às ocupações, odeio uma frase que ouvi na “Ópera da Terra Pilar”, uma peça de teatro realizada em minha cidade, “ a periferia é o nosso lugar”, o “escambáu”, todo o lugar é nosso lugar, que não venham nos limitar a guetos, pior não devemos nós, nos limitar a guetos. Quando falo que a Câmara Municipal é um espaço do “povo”, expressão tão amada da neo-esquerda, eu prefiro “pessoas”, como determina o Teixeira Coelho, é porque todo espaço público é de todas as pessoas, gostem ou não nossos edis e seus assessores, ou os “intelectualóides” que se proclamam livres das amarras governamentais, mas que se digladiam por qualquer vintém de verba pública para manter seus projetos nas periferias. Impedindo que crianças e adultos, pessoas livres, brasileiros de direito, se apropriem de todos os espaços públicos da cidade, Câmara, prefeitura, posto de saúde, escolas, anfiteatro, teatro, o átrio da igreja, calçadas, praças, ruas e qualquer área de circulação livre, todos estes espaço podem ser e devem ser usados na fruição da arte. O barracão na favela é um ótimo espaço, só não deve se limitar a isto, os alunos destes espaços devem ser preparados para ir além da fronteira da “Conúrbia”, devem ser preparados para romper as fronteiras que estão dentro de seus corações.


O que posso escrever sobre os “discursos laudatórios”, de fato existem pessoas no grupo com este péssimo hábito, mas em um universo de muitos, posso destacar duas pessoas, que têm em sua defesa o fato de serem pessoas de idade, com hábitos arraigados de elogiar as autoridades presentes, coisa de povos que passaram pela Santa Inquisição e que tem medo de desagradar às pessoas. Não se pode confundir uma espécie de educação cortês e burguesa, que todo o brasileiro tem,  mormente os mais velhos, com subserviência. Mais ainda, não confundir o hábito de uma pessoa, com o comportamento e a ação do grupo. É comum em toda a cerimônia, e determinados momentos, apresentar ao grupo as pessoas com alguma deferência.  Não tenho esta prática, mesmo porque sou filho da geração contestadora dos anos sessenta, que queria derrubar as prateleiras e proibir o proibir. Tenho uma dificuldade monstruosa de lidar com a autoridade. No entanto tenho percebido também, que atitude não pode ser falta de educação.


A expressão, “politicagem ufanista”, talvez seja a mais complicada, e demonstra todo o preconceito de classe por parte do comentarista anônimo, o grupo “Taba de Corumbê”, surgiu em uma oficina literária chamada “Oficina Aberta da Palavra”, idealizada pelo poeta Guilherme Vidotto Filho, inspirada em uma conversa com o escritor e dramaturgo Luís Alberto de Abreu; Vidotto escrevia poemas inspirados na história da cidade de Mauá, quando Abreu o conclamou a criar uma oficina onde se reuniria autores da cidade para escrever sobre ela. A oficina aconteceu em um momento sensível da história da cidade, onde tentava-se a todo custo recuperar-se a auto estima de seus moradores. Nasceu com a prerrogativa quixotesca sim, não ufanista, de encontrar a “alma” das pessoas, em um “inventário poético de Mauá”, é certo que como todo o plano utópico não passou de pretensão, no entanto extrapolou o conforto do espaço público e gerou um grupo de cidadãos interessados em cultura, são na maioria poetas, mas tem de tudo um pouco: de donas de casa, professores, artistas plásticos, entre outros, pessoas se agregam, pessoas vão embora, que é muito natural. Não escondo o fato para ninguém de que sou partidário, sou filiado ao Partido dos Trabalhadores desde sua fundação, apesar que algumas decepções de ordens diversas, continuo filiado, embora afastado das ações políticas à algum tempo. Isto é meu direito constitucional, todo cidadão brasileiro pode se filiar a um partido político, já fui jurado no tribunal, me alistei no Exército, trabalhei vários anos de graça para a Justiça Eleitoral, estou quites com a vida republicana. Ocupei também de 1997 a 2004 vários cargos comissionados, vindo a trabalhar na Secretaria Municipal de Cultura pela minha militância na área,  e não pelo contrário. Somente uma pessoa com dificuldade de discernimento mental, e ai me perdoem os doidos, para criar uma relação ao fato de eu ser um dos sete mil filiados ao PT em Mauá, e meu trabalho na literatura. Se gostar da cidade em que mora, das suas pessoas, e querer o melhor para ela é ser ufanista, o sou. Ao me acusar de politicagem,  pela minha condição de filiado a um partido político e apenas isso no momento, é preconceito. Decerto que Ginsberg, fala em “América” seu poema visceral, que “o poeta que se envolver em política, se tornará um mostro”, estou disposto a correr este risco como muitos outros antes de mim, ou como meu muito amado José Marti, que deixou de ser um grande poeta cubano para se tornar um herói nacional e dos povos latino-americanos, ou como Neruda, que carrega a crítica de ser um poeta menor por seu engajamento, mesmo com toda a sua popularidade.


Para arrematar sobre a afirmação: “em Mauá, há gente pensando em cultura e arte além de vocês”, posso dizer que fico muito feliz, quanto mais gente fazendo arte melhor, se tem gente fazendo melhor que a Taba, melhor ainda. Onde em que momento se afirmou o contrário? Não somos “chapa branca”, escrevemos poesia porque é o melhor que sabemos fazer, os grandes homens fazem grande coisas, aos poetas as pedras. Assim como Cassandra, veremos Tróia arder em nossos sonhos e ninguém nos acreditará. Este é nosso glorioso destino.


Quanto as acusações escritas em inglês colegial, de que somos provincianos, medievais, e vivemos na barra da “Família Real”, respondo que sou provinciano com o maior orgulho, como diziam Câmara Cascudo e Gilberto Freire,  temos o maior orgulho desta terra desolada pelo “milagre brasileiro”,  das pessoas migrantes e de sotaque carregado, faço poemas para minha cidade e para estas pessoas também, não tenho o menor constrangimento de dizer, sou de Mauá, em qualquer círculo que estiver. Minha província se chama mundo, e minha casa é onde eu puder morar.  Quanto ao medieval, não sei o que escrever, pois não entendi sua magnitude, talvez pelo hábito dos reis de abrigar artistas mambembes:  não, não sou um artista da corte, sou um bardo de estrada, cantor maltrapilho por um pão e um sorriso. Quanto ao viver às custas da família real, devo entender que é pelo fato que em alguns momentos termos nossas obras subsidiadas pelo FAC – Fundo de Assistência à Cultura de Mauá, que graça aos deuses perdeu este nome horroroso, com algumas migalhas que de vez em quando são jogadas aos pombos da arte. Sei de grupos dependurados na favela que vivem com dinheiro público federal, e não existe mal nenhum nisso.  Fosse eu amigo da família real não estaria desempregado a tanto tempo. Minha incapacidade de fazer coisas que minha ética não permite me deixou em maus lençóis muitas vezes, tanto quantos me amam, outros odeiam, e isso são coisas da vida. Fala da Taba ser desagregadora, mas isso me recuso a comentar tamanho o absurdo.


E quanta à esta conversinha de que o novo vem para substituir o velho, não esqueça que todos um dia envelhecem.



Menos a poesia claro, a poesia é sempre jovem e tem todas as idades do mundo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Uma insondável proposta de intolerância e violência

Está circulando pela Internet uma apresentação PPS (Onde deus estava no 11 de setembro?) meio assustadora e profundamente etnocentrista, onde Anne Graham, filha do reverendo Billy Graham, diz que o 11 de setembro americano aconteceu, entre outras coisas, porque deus foi expulso das escolas americanas e os pais não surram mais os seus filhos, e como o bom e velho Jeová é vingativo, permitiu que fanáticos religiosos destruíssem os prédios de Nova Yorque (afinal, a Al Quaeda não está a serviço de deus?). Não há menção aos outros onze de setembro, como a explosão do Krakatoa que matou mais de trinta mil pessoas oficialmente, já que nunca foram contados os nativos mortos que podem ter chegado a cem mil, ou o onze de setembro chileno, que gerou uma ditadura cruel fomentada pelos americanos do norte, e que matou também algo em torno de trinta mil. Imagino que como um matou asiáticos incréus e o outro latino-americanos comunistas, deus não fez conta destas mortes. O texto é bem escrito, e aparentemente bem intencionado, mas carrega algumas mentiras grossas, por exemplo o filho do Dr. Spock, Benjamim (não é o vulcano de Star Trek) não se suicidou, seu neto esquizofrênico, saltou de um prédio. Muitas vezes estes textos religiosos incitam uma coisa que para mim está fora de cogitação, usar as escolas laicas para difusão da religião, religiões monoteístas, que seja bem, claro. Isto no fundo no fundo, traz uma insondável proposta de intolerância e violência.


Sou de um tempo em que éramos disciplinados o tempo todo, sofri todo o tipo de violência física e psicológica, tanto em casa como na escola, demorei muito tempo para me reconciliar com meus pais, sempre vejo a escola como um lugar opressor, como Pierre Bourdieu. Deixei de ir à igreja assim que tive autonomia, com meu próprio dinheiro no bolso pude ser dono de mim mesmo. Sou totalmente não religioso, a religião não faz parte de minha vida ou rotina, só entro em igrejas em casamentos e batizados, pois sou muito social com os amigos e gosto de comemorações, em outros momentos evito até passar na porta. Por outro lado, sou estudante tardio de pedagogia, entender a educação oficial, talvez me ajude. Sempre gostei de estudar, sempre odiei a escola.




Criei minha única filha com total liberdade, nunca a disciplinei de forma severa, mas lhe transmiti valores éticos. O assunto religião em minha casa nunca foi tabu, minha sogra uma pessoa religiosa e de uma fé inabalável, tinha toda a liberdade de passar seus conhecimentos para a neta. Existiam coisas que se podiam e coisas que não. O limite para a liberdade é a auto-preservação e os direitos humanos próprios e dos outros, portanto quando educamos crianças existem coisas que são negociáveis, como qual a roupa que quer usar ou comida que quer comer, e outras que não se discutem, crianças no banco de trás do carro, no cadeirão; não vou dar minha arma carregada para brincar com os amiguinhos. Engraçado que minha filha é uma pessoa bastante religiosa, pois escolheu seus próprios caminhos. Eu por minha vez, morrerei agnóstico, pois tive meu momento de me reconciliar com a religião, dizem que quando enfrentamos a morte cara a cara nos é revelado a nossa verdadeira convicção, pois bem, passei por este momento e não senti qualquer apelo ou força sobrenatural.


Tenho amigos cristãos, e mais que isso, minha companheira é uma cristã convicta, são pessoas tão certas de sua fé, que conseguem conviver com as diferenças sem se sentirem ameaçados. A própria palavra tolerância é complicada, pois implica em tolerar a existência do outro, temos que pensar em coabitação e alteridade. Pessoas éticas e com valores humanos, farão as coisas certas, não importa sua fé. Em especial as pessoas que exercitam a compaixão e são sensíveis a dor, a perda do outro.




Gostaria que houvesse um ponto de equilíbrio entre a tortura que sofri em minha infância, onde deus era um monstro cruel e perseguidor, e esta total ausência de valores que vemos na garotada de agora. Um mundo estranho em que vivemos, pois conhecidos meus que levaram os filhos na igreja tiveram problemas de drogas com os filhos, e minha filha se formou na faculdade antes da maioridade. A verdadeira liberdade, a que implica em ser responsável por si mesmo, quase sempre resulta em pessoas que são auto-reguláveis. Quando as pessoas são deixadas a própria sorte, e isto não é liberdade, é abandono, gera as mais inefáveis conseqüências. “Mas os pais deram de tudo para aquela criança e ela se tornou um bandido”, deram tudo menos atenção e carinho, existem estudos que comprovam que crianças negligenciadas pelos pais desenvolvem problemas psicológicos, o que o senso comum chama de defeito de caráter. Não sei porque, mas pais muito preocupados com a religião cuidam muito mal de seus filhos.


O que mais me orgulho de ter passado para adiante foi a sensibilidade para a arte. Sempre levei minha filha, sobrinhos e agregados, a museus, exposições de arte, cinema, caminhadas por parques, sempre tivemos intermináveis conversas, e apresentei-lhes os livros muito cedo, antes mesmo da alfabetização. Confesso meu crime, também lhes apresentei a poesia, mas isso desconfio que eles teriam descoberto sozinhos.