sábado, 30 de agosto de 2014

Resenha de Vivian de Moraes sobre a fome dos olhos.

 http://amuletospatua.blogspot.com.br/2014/08/o-tempo-e-o-tempo-que-passam-pelos-olhos.html

 

O tempo e o tempo que passam pelos olhos

Edson Bueno de Camargo, em "a fome insaciável dos olhos", apresenta ao leitor uma poesia algo estranha, em que as coisas são humanizadas ("o bloco de granito/ em seu sonho de sílica e alumínio/ respira pratos e xícaras) e o homem, reificado ("sua fome de granito/ contorna a tormenta da tarde"). Nesse jogo, o olho está sempre presente, seja vendo de fora para dentro, seja vendo de dentro para fora.
Mas o mais marcante na obra é a questão do tempo. Para se apreciar esse aspecto, no entanto, é necessário ler todo o livro em seu conjunto. Apenas um poema não dá conta de expressar as metáforas do tempo como clima e do tempo como passagem que une a infância e a velhice. Serpentes, signos de eternidade e recomeço, estão por perto: às vezes o próprio eu lírico tem "várias línguas bífidas". Leiamos "ar seco do deserto":

este redondo sol lua
que mergulha lento
no concreto dos limites de meu olho
veste-se de lágrimas cinzas
e sangue seco

céu de contrafortes
grande muralha
que afasta
os vivos dos mortos

sonho com arroz
que se derrama
e uma grande mesa com carne e vinho
servidos

os touros galopam
de assalto
cascos em chamas
asfalto que afoga a noite
o carisma dos esquecidos

forro meus olhos
do medo líquido
minha mão branca
coleção
de almas penadas

e o nariz em sangue
no ar seco do deserto
que estão esses dias"

Notemos no poema acima a questão da ressurreição: a carne na mesa se torna "touros que galopam". Outros poemas falam de chuva, gelo, poeira; e também de infância e velhice. A morte é recorrente.
O livro perde um pouco do seu fôlego ao final, quando fica mais confessional e menos cortante, quando o léxico se afrouxa ao sabor das lembranças e ao medo que traz o envelhecimento ("lembrar é como morrer de novo/ e contar com isso sempre"). Mas, como já foi dito, "a fome insaciável dos olhos" é um livro para se ler por inteiro. O estilo é elegante, moderno, impactante. É um livro bom para se ler uma vez, guardá-lo na estante, esperar passar o primeiro impacto e ser retomado para uma nova leitura. (Vivian de Moraes)

http://www.editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=158&Itemid=53

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