
Hoje é o futuro de minha infância e juventude, e carrega uma sensação de fracasso e amargo da derrota. Meus sonhos militantes eram um puro delírio, que idiota imaginar que todos queiram a utopia. Como na fábula de Buda todos precisam de pão para viver, precisam lutar contra a morte, precisam ter filhos, e criá-los, educá-los, e ajudá-los a construírem casas e terem seus filhos também. A roda da vida é irrevogável, todos estamos presos à mesma.
Agora vejo meu neto reinando pela casa, e tento imaginar em que mundo ele viverá, quais serão seus sonhos quando chegar sua vez de sonhar. Lembro de sua mãe criança correndo com seus coleginhas entre cadeiras de convenções intermináveis, palavras de ordem e discursos. Não posso emprestar-lhe os meus, não posso nem ao menos dá-los. Porque ele haveria de querê-los? O pior de tudo é ter ainda a sensação de que estávamos certos em nossa juventude, de querer um mundo melhor para todos, de viver um socialismo tão real quanto o chão que não pisávamos. Mudaríamos tudo, menos a convergência do tempo, e o fato de que quanto mais velhos ficamos, mais egóicos e umbigocentristas nos tornamos. Sobrevivemos e não ficamos sábios, ficamos chatos. Muitos de nós assumiram cargos públicos, se aferram às suas cadeiras e salas confortáveis e se tornaram tão retrógrados e alienados quanto àqueles que combatíamos. Tive minha cota de vivenciar estas relações, o que ganhei foram problemas cardiovasculares. Um artista no poder público, é tão útil quanto uma lâmpada elétrica aos aborígines do deserto. A administração pública trabalha com questões irresolvíveis, é um poço que não tem fundo. Alguns se adaptam e seguem a vida, outros, os insensatos, como dizia Bernard Shaw, tentam mudar as coisas, servir de fato ao povo, melhorar as condições de trabalho, e se quebram em mil pedaços, espalhados pelo limbo.
Mas falava de saudades, de canções que nos levantavam, que nos faziam acreditar, hoje como já disse outro dia, vivo uma ambigüidade estranha. A poesia flui pelos meus ouvidos como o som do vento nas pedras e as ondas batendo na praia, é mais forte que a necessidade de viver. Aliás continuar vivo é uma coisa que me incomoda, por muito tempo pensei que tinha nascido para morrer cedo, esqueci de que o último herói de todos os tempos foi covardemente assassinado nas serras da Bolívia. Hoje vivo assombrado pela palavra e pelos fantasmas de mim mesmo que morreram, mas continuam em mim.