Literatura e interfaces.
Em uma pesquisa bem rápida em
definições de dicionário para interface, encontrei uma definição que creio,
resuma o conceito: “Limite comum a dois sistemas ou duas unidades que permite
troca de informações.” a partir do que fiquei tentando imaginar como isto pode
se aplicar à literatura, mais que isso, o que podemos imaginar com isto se
aplicando às artes?
Em um primeiro momento, dentro da
atualidade, quase que imediatamente, remetemos o termo interface às ciências da
informática, por que é exatamente isto que um computador faz, classificar sistemas e agrupá-los. O que
não podemos esquecer é que nada se criou a partir dos computadores, pelo menos
até agora, o que vemos é a repetição e a otimização de conceitos já inventados.
O próprio hiperlink a grande vedete da Internet, já se fazia desde os
primórdios da escrita, quando um pesquisador consultava diversas fontes
escritas, quer em rolo de pergaminho, quer em livros, quer por um buscador na
Internet. Fazendo-se uma ressalva em relação ao livro que surgiu a partir do
desenvolvimento da imprensa de tipos móveis, que não inventou o conceito do
livro, mas o popularizou para além das expectativas que existiam até então, o
livro de um objeto raríssimo e caro, passou a ser mais popular e ao alcance de
mais pessoas, desconfio que de uma certa forma foi o grande alicerce da
consolidação do pensamento ocidental.
Outro grande avanço da Internet, o e-mail, nada mais é que a evolução do
correio postal, de antiguidade tão grande quanto às bibliotecas, cuja maior
evolução que sofreu foi no século XIX, com a invenção do selo postal, provocando
uma revolução no processo. Pois bem, o correio postal também permite a
comunicação à distancia com seu devido feed back, o que a mecanização eletrônica trouxe foi a
velocidade e uma quase instantaneidade, o que permite a troca de informação em
um custo muitíssimo reduzido. Hoje mantemos contato com pessoas em toda a
lusofonia, se pensarmos na barreira linguística, a um click. A partir de que
podemos resumir o princípio dos chats e serviços de mensagens, com a diferença
que com o correio postal o hiato entre as conversas, pode mudar de um
segundo, para um mês.
Talvez a grande revolução neste aspecto sejam as mídias sociais, que para o bem ou para o mal, permitem às
pessoas trocarem ideias e informação sem sair de casa e principalmente, sem
precisar entrar em contato físico com as outras pessoas. Se por um lado pode
existir a crítica de que isto faz com que o individualismo se exacerbe, permite
a escritores e artistas que mantenham contato, mesmo que à distância, que em
outras condições não permitiria. Hoje posso ter leitores em qualquer parte do
país e do mundo, que podem entrar em contato quando quiserem, que se pese
críticas de uma vulgarização de literatura, onde todos podem se arvorar de
escritores, por outro lado não há mais o
isolamento geográfico de quem produz conteúdo, o que no passado impunha a quem
quisesse ser conhecido o exílio nos grande centros, hoje podemos ser globais
sem perder o contado físico com nossa aldeia. Ainda é muito cedo para se
analisar o impacto que isto poderá ter sobre a arte e a literatura.
Não é muito difícil imaginar as
interfaces nas diversas artes e mesmo com
outras áreas, dado que as artes não são estanques em suas linguagens, não
existe uma linha do tempo nas artes em que estas não estão entrelaçadas: a
poesia romântica influenciou a música, mais soturna e pesada, que por sua vez
teve influência sobre a pintura, que influenciou a poesia e fez surgir o
romance, prosas longas e narrativas.
Nos anos 1960’ do século passado
houve uma grande aproximação dos poetas com a música popular brasileira, um
casamento que existe até hoje. Há todo um aspecto da música popular com letras
bastante elaboradas, além do que temos o rap, que tem sua origem nos guetos
urbanos das grande cidades e vem conquistando outros campos da mídia. E neste
caso especificamente, vemos na verdade um retorno, uma vez que música e poesia
no passado estavam juntas, através dos aedos do passado histórico, declamando
ao som de uma espécie de lira, que dava o ritmo às suas palavras, mais tarde
viriam os rapsodos, os bardos, os trovadores, até chegar na poesia ocidental
como conhecemos.
Outro aspecto que podemos abordar
é que a natureza do texto literário, de que segundo o poeta Cláudio Willer,
toda a escrita é intertextual, podemos dizer que a escrita, em especial a
poesia, faz interfaces entre os autores que nos influenciam no processo de
escrever. Os grandes descobridores desta possibilidade foram os surrealistas
que primeiro criaram um movimento e depois inventaram suas fundações, apontando
nos escritores anteriores suas influências, e mais, abusaram das intervenções
da literatura nas artes e vice versa. Novamente
nos anos 1960’ do século passado vamos encontrar vanguardas repedindo a grande
revolução nas artes que ocorreram na virada do século XIX para o XX, dadaísmo,
futurismo, e muitas outras, vão desembocar na arte efêmera, pop art, graffite, muitas
outras possibilidades que vão se desmembrando, e isto tudo antes da Internet.
Um grande exemplo desta arte é o surgimento em Nova York do movimento de arte
postal, a partir dos experimentos de Ray Johnson, poesia visual, gravura, e
todas as técnicas possíveis, se misturam a poesia e a uma poética urbana, e o
uso do correio postal para a troca de informações e obras, movimento que
persiste até hoje.
Uma questão fundamental, que não
podemos deixar escapar, é que uma ferramenta não exclui a outra, na contemporaneidade, podemos pegar o poeta
Márcio-André, carioca radicado na Europa, que faz uma arte performática,
utilizando-se de meios eletrônicos, instrumentos musicais, percussão e poesia,
ou instalações onde usa da Internet, como ferramenta para fazer performances à
distância, ao mesmo tempo que podemos encontrar cantadores matutos e sua poesia popular, cantada nas praças das
grandes cidades e nas feiras populares pelo país afora, onde cumprem seu papel
de trovador moderno ou bardo. Desta forma, podemos perceber que é possível
diversas formas de arte conviverem em harmonia, que a existência de uma
linguagem não exclui a possibilidade de outra existir. A contemporaneidade é o
hai-kai, forma poética medieval, ser transformado em vídeo poema, e a poesia
moderna ganhar os muros em forma de
graffiti, primeira manifestação artística da humanidade. A arte não se comporta
de forma binária e estática, muitas vezes as fronteiras são rompidas, os
cânones são frágeis, e enquanto muitos discutem quem é o mais preciso dos
especialistas, a arte acontece espontaneamente.
O e-mail não veio substituir a
carta postal, veio acrescentar mais uma possibilidade. Os blogs e mídias
sociais permitem a interação entre leitores e escritores, mais ainda, entre
escritores e escritores. Os meios eletrônicos, encurtaram distancias, mas jamais
substituirão a sensibilidade humana, o ímpeto que nos faz fazer arte, a
necessidade humana de interagir, o temos feito desde tempos imemoriais, e
desconfio que iremos fazê-los até nossa extinção.
Para fechar tudo o que foi colocado até agora, não podemos esquecer a maior de
todas as interfaces, que é a leitura. A palavra escrita e sua interpretação é sem dúvida a maior de todas as invenções
humanas, a que permitiu que ideias percorressem continentes, chegando a todos
os lugares e permeando civilizações, permitindo trocas tecnológicas, e ao mesmo tempo, por exemplo, que pudéssemos ter contato com poetas chineses
da dinastia Tang e nos deliciarmos com seus versos e tantas outras
possibilidades.
Ficando como reflexão
final, que a principal ferramenta do escritor, que permite o uso de todas as
outras, é a leitura e a perfeita
interpretação da língua.
Edson
Bueno de Camargo
Poeta,
pedagogo, haikaista bissexto, fotógrafo empírico.
Café Filosófico - Mídias Literárias - Diadema.
Dia 20/11/2012, terça, às 19h30
Local -
Biblioteca Olíria de Campos Barros
Av. Sete de Setembro, 470, Vila Conceição – Diadema – SP
tel.: 4055-9200
CEP 09912-010
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