quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Beija Flor e suas percepções surpreendentes - Beija Flor é o nome mágico de meu neto.

Beija Flor e suas percepções surpreendentes 




"Quem é esse deus?"

"É Krishna"

"E ela, quem é?"

"Ela é Radha. Ela amava Krishna mais do que tudo e seguia ele por onde fosse."

"Ela era uma deusa também?"

"Ela é avatar de Lakshimi, a esposa de lorde Vishnu, e Krishna é o avatar de lorde Vishnu. Krishna é o que a gente chama de avatar. É um deus que vem para terra viver entre as pessoas para ajudar elas de perto. Krishna nasceu como homem e foi um menininho muito bagunceiro parecido com você."

"Ela é tão linda, eu gosto de Radha. (fala algo mais sobre Radha que não deu para entender, com ar de fascínio)"

(aponta para o quadro na parede)

"Mas é Krishna ali também, não é?"

"Sim, só que em outra vida. Ali ele se chama Rama. Rama e Krishna são nomes que Vishnu usou para vir pra terra em épocas diferentes."

"Ah tá. Entendi."

(fica olhando Krishna na imagem, e depois Rama)

"Jesus é ele também, não é, mamãe?"

(engasgo. paro e não consigo evitar demonstrar a surpresa)

"É sim. Jesus é um dos avatares de Vishnu."

"Sabia, dá para ver. Mas eu gosto mesmo dela. Ela é muito bonita e muito especial" (acaricia o rosto da imagem de Radha. Eu gosto mais dela do que dele, mamãe."

Texto de Sarah Helena -
http://filhotedelua.multiply.com/journal/item/784

(Esta blogagem é pura tietagem de pai e avô. Se alguém não percebeu a poesia, me pergunte depois que explico. )

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Galos, Noites E Quintais




Galos, Noites E Quintais


Belchior
(do segundo álbum do cantor brasileiro, Coração Selvagem, lançado em 1977 pela WEA)


“Quando eu não tinha o olhar lacrimoso
Que hoje eu trago e tenho
Quando adoçava o meu pranto e o meu sono
No bagaço de cana de engenho
Quando eu ganhava esse mundo de meu Deus
Fazendo eu mesmo o meu caminho
Por entre as fileiras do milho verde que ondeiam
Com saudades do verde marinho
Eu era alegre como um rio
Um bicho, um bando de pardais
Como um galo, quando havia
Quando havia galos, noites e quintais
Mas veio o tempo negro e a força fez
Comigo o mal que a força sempre faz
Não sou feliz, mas não sou mudo
Hoje eu canto muito mais”



Quando se tem quinze anos o mundo é muito maior, as tardes são intermináveis, as nossas certezas, sólido concreto. Ou pelo menos foi para mim. O tempo era lento e implacável, e acho que todos queríamos fazer logo dezoito anos, transar, dirigir um automóvel, ficar independente, trabalhar, ter o próprio dinheiro e dar o fora. Tudo isso ao mesmo tempo e para já. Não fiz nada disso, comecei a trabalhar no ano seguinte, tive de esperar mais um ano para transar, minha namorada engravidou e ficar independente significou ter uma família para criar, viver com pouco dinheiro, e nada de dar o fora, fomos viver em um quarto e cozinha nos fundos da casa de meu sogro. Ao menos comprei um carro velho, que dirigia para cima e para baixo até acabar a gasolina.


Havia um esboço de poesia, escrevia envergonhado nos cadernos de escola, em que quase nunca copiava as lições, algo que não compreendia totalmente. Ao ouvir as canções do Belchior, batia uma nostalgia louca, em quem nem viveu a vida ainda, mas se lembrava de coisas que ainda não havia acontecido.


É tragicômico, que hoje muitos anos depois, e bastante depois, tudo faça sentido mais nitidamente, embora não resolvi alguns nós górdios, pois estou atado à carroça da vida, e não sou nenhum Alexandre, para cortar tudo com a espada. Minha obsessão é desatá-los um a um. A poesia quase singela de Belchior traz elementos de outros poetas, há muito de João Cabral de Melo Neto nestes “galos, noites e quintais”, e até Antonio Machado, “Fazendo eu mesmo o meu caminho”, não sei se de propósito ou por sincronismo, sei que o pessoal da MPB dos anos setenta lia muita poesia, e havia poetas maravilhosos fazendo as letras das músicas. Hoje sei que não só os caminhos se fazem ao nosso andar, como se desfazem assim que passamos por eles. Não há retorno, não há a menor possibilidade de se voltar para trás, corremos o risco de como a esposa de Lot descobriu, nos tornarmos uma estátua de sal amargo de lágrimas dependuradas em galhos de árvores secas.


Sei que de alguma forma esta música significou o fim de minha adolescência, desisti da faculdade, desisti da música e penso que desisti um pouco de mim mesmo também. Engrenei em empregos muito pouco significativos, ordinários e medíocres. Trabalhei sempre para sobreviver, e à medida que envelheci, foi ficando mais difícil estar empregado, não é uma questão de dinheiro, houve momentos que até ganhei bastante, o bastante para ter casa própria, estudar a filha, ajudar minha companheira a se formar na faculdade. Nunca consegui conciliar trabalho com carreira, o que eu queria era escrever, o que fiz e muito, mas sempre como uma atividade paralela. Como se a poesia e a vida não pudessem se misturar, como se a poesia fosse uma amante que eu tinha, uma vida em paralelo com a realidade, e cada vez mais distante uma coisa da outra.


Tirando o bucolismo rural, pois cresci e ainda vivo em uma área suburbana da capital, havia “galos, noites e quintais”, e cana de açúcar no quintal imenso da casa de meu falecido avô (agora não me parece tão grande) e milho nos arrabaldes com chácaras e terrenos baldios. Corríamos como cães vadios, pulávamos cercas, tínhamos todo o espaço do mundo. Depois a solidão foi apertando o cerco, cada um cuidando de sua vida, cada qual com seu fardo e sua sina.


“Hoje eu trago e tenho” um “olhar lacrimoso”, e tem se ressignificado os versos da canção que me traz lembranças do passado, mas ainda está presente em minha vida, talvez na atualidade faça muito mais sentido até. A poesia tomou vulto em minha vida, agora a luta pela sobrevivência é que é a vida paralela, sou poeta o tempo todo, assaltado e sobressaltado pelo poema. Os versos me passam na frente dos olhos, como últimas lembranças de quem vai morrer. Ser triste não significa necessariamente ruim, bebo minha cerveja e meu vinho, conto as artes de meu neto aos amigos, ficar sozinho com uma criança em casa é impossível. A felicidade não existe e portanto a infelicidade também não. Corremos todos para a morte, mas quem está com pressa?


“Não sou feliz, mas não sou mudo
Hoje eu canto muito mais”

sábado, 2 de janeiro de 2010

Primeira blogagem de 2010.



"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência
e sim de sentir, de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca."

Clarice Lispector


Recebi um clipe por e-mail da música “Imagine”, de John Lennon, da recém amiga Amanda, que me fez rolar quentes lágrimas pelo rosto. Por muitos anos fui uma pedra, nada me atingia, ultimamente virei um “manteiga derretida”, choro com uma facilidade medonha. Mas o filme é realmente muito comovente. No clipe a música é executada por um coral de surdos, usando linguagem de sinais, e um rapaz falante, declama a letra com muita dificuldade, aos poucos vão se juntando a garota negra gorda, o rapaz cadeirante, e depois foi sendo engrossado pelas pessoas comuns, por assim dizer.

Esta música do John Lennon, já é um murro no estômago, pois fala com singeleza da utopia do possível, mas que não realizamos, necessitamos, a humanidade como um todo, evoluir para um patamar superior, para que coisas exeqüíveis, passem a ser lugar comum, e que o senso comum seja abandonado em prol da inteligência e solidariedade. (Quem sabe que com o cair da máscara do capitalismo em Copenhagen, daremos um pequeno passo na direção certa?)

Uma vez passei por uma avaliação psicológica, em que a psicóloga, falou que pessoas muito inteligentes, fantasiam sempre um mundo perfeito, que só o seria se todas assim o fossem. De lá para cá, muitas teorias caíram por terra, Gardner jogou todos os superdotados em uma fossa de desprezo e ostracismo, falar que se tem um QI altíssimo virou quase um motivo de vergonha. Muitas vezes desejei emburrecer, imaginando que com isso fosse mais feliz e integrado socialmente. Com o tempo e a maturidade aprendi duas coisas, uma que o mundo perfeito se faz de coisas muito simples, que a beligerância das pessoas, se dá muito mais por teimosia que por convicção, que todas as verdade são maleáveis, e tirando a ética e o amor (filia mais que Eros), tudo o mais pode ser discutível sob um ponto de vista, que pode ser móvel, à medida que adquirimos conhecimento. E a segunda coisa mais importante, é que muitos de nós somos diferentes não pela inteligência, que é só um fato da vida, o que nos prega na parede é a sensibilidade, e isto é um dom humano, todos a tem, tudo é uma questão de estímulo, pessoas ditas insensíveis, são couraçados que se sentem ameaçados pelo sentir. Sensibilidade é um dom nato, não se aprende, mas sempre podemos relembrar como funciona, a arte se faz disto, sensibilidade mais trabalho, muito trabalho.

Por uma razão misteriosa, ter a sensibilidade exposta, sempre acaba levando à poesia, pessoas que vêem o mundo pelo filtro do poético. As crianças vivem mergulhadas na poesia, e chegamos nós com nossas razões imperscrutáveis de adultos, e jogamos um balde de água fria. Talvez a poeta Alice Ruiz tenha razão, poetas nunca atingem a maturidade.

A exatamente um ano comecei este blogue sem saber que rumo iria tomar, com o passar dos anos tenho cada vez menos certezas, tudo se torna relativo diante de meus olhos. Só sei que a poesia entrou definitivamente em minha existência e que vou morrer um dia. Isto é tudo o que tenho de fato. De resto tudo é uma grande benção, desde o sorriso de meu neto e até o fato de nós respirarmos o mesmo ar.