Fotografía de la cantante argentina Mercedes Sosa perteneciente al disco "Mercedes Sosa", serie "Grandes Artístas" editado en Argentina en 1973.
“Pasan los años,
y cómo cambia lo que yo siento;
lo que ayer era amor
se va volviendo otro sentimiento.
Porque años atrás
tomar tu mano, robarte un beso,
sin forzar un momento
formaban parte de una verdad.
Silvio Rodriguez “
Se morio La Negra, a América Latina fica sem voz. O som que dava pano de fundo aos nossos sonhos adolescentes se apagou. A música que embalava nossas bandeiras não canta mais. Hoje o dia amanheceu mais triste, neste pedaço esquecido de América, que se pensou esperança.
Existem coisas que nunca esquecemos, e a voz de Mercedes Sosa que ouvi no rádio a primeira vez, no programa América do Sol, do poeta e cantor Abílio Manoel, “Mi oficio de cantor es el oficio”, versos que entraram em minha alma como ferro em brasa, que arrancaram meus primeiros versos de uma alma seca. Fiz-me poeta na canção. Nem sabia o que era a vida, de tão jovem, mas sabia queria alguma coisa como aquilo, aquela força poderosa que se apoderava de mim cada vez que ouvia aquela voz. O calor que me subia a espinha e me fazia sentir vivo.
Aprendi a tocar toscamente violão, este que carregava como troféu pelas ruas, sob os olhares desconfiados da polícia, pois para os algozes, a arte era algo muito danoso aos jovens. Além de proletário e estudante, queria ser cantor, e do cantor nasceu o poeta. Bastava-me arrastar dedilhados andinos, canções de América, ouvir Tarancon, Raíces de América, me emocionar até as lágrimas, com “volver a los dezessiete”, cantada por La Negra junto com Milton Nascimento, e meus olhos foram ficando cada vez mais profundos, melancólicos, a me recordar como Amanda as canções de Victor Jara. Aprendi o comunismo de uma forma branda, “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura”, acreditei por muito tempo na esperança, vivi no tempo que se gastou o medo, de tanto usado. Carregávamos nossas bandeiras vermelhas com fé e orgulho, nosso mundo tinha um destino. Nosso amor era coletivo. Mas sonhos morrem também, e embora demore um pouco, a esperança também se finda. E agora vivemos em uma existência onde foi roubado o amanhã. O que resta ao poeta é saber se findável, e ficar esperando a morte. Como diz o poeta José Carlos Brandão, “escrevo porque vou morrer”.
Hoje minha vitrola está quebrada, e sempre adio o seu conserto, meus discos mofam e se envelhecem. Às vezes por absoluto saudosismo procuro no Youtube algumas daquelas canções, e fico chorando sozinho, pois minha companheira ralha comigo quando escuto canções tristes. Meu amigo o poeta Marcelo Ariel disse que a nostalgia é uma forma de suicídio, corroborado por análises psicológicas, e coisa e tal. E penso que viver só do imediato sem a possibilidade de esperança, de um porvir, é tão morte como a morte, que é melhor desviver ouvindo canções tristes, do que ficar solto na corrente que nunca para. Não deveríamos sobreviver à própria morte.
Ontem, dia 05 de outubro morreu Mercedes Sosa, a mulher que tinha o nome de minha avó, que também já morreu. Nossas referências estão envelhecendo, e morrendo, e nós também ficamos irremediavelmente velhos, logo chegará a nossa vez. Vivemos a trajetória do herói trágico, a de vivermos mais que nossos sonhos. E não ficamos sábios. Um dia um amigo meu disse que a esperança venceu o medo, hoje nem mais o medo temos a nos motivar.
Sorte a poesia também viver de amargor.