segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Bibliotecas do Inferno II


No dia 10 de maio de 1933, foram queimadas em praça pública, em várias cidades da Alemanha, as obras de escritores alemães inconvenientes ao regime.



Tempos atrás, alguns anos na verdade, escrevi um poema crônica sobre o destino dos livros que eram queimados ou destruídos em atos de barbárie e ou ignomínia. No meio poema, meio conto, os livros queimados em praça pública iriam integrar as bibliotecas do inferno, como o texto tende a ser enxuto, algumas formas de destruição vis de livros ficaram de fora, menos o hábito brasileiro de transformar livros em papel higiênico, por exemplo. Já que a cultura não nos entra na cabeça pelos olhos ou dedos, quem sabe por outro orifício.


No texto em questão nomeava como funcionário destas bibliotecas, determinadas pessoas: ...Os destruidores da Biblioteca de Alexandria, trazidos ali originalmente para cuidar dos volumes desta, catalogavam e cuidavam deste precioso acervo. Depois, bibliotecários sádicos, maus poetas e beletristas... Pois bem, descobri recentemente que fui injusto em não incluir novas duas categorias de pessoas para trabalharem na lida e cuida dos livros do acervo do tinhoso: diretoras e coordenadoras pedagógicas de escolas estaduais.


Chegou a mim uma informação de primeira mão, cujo a pessoa não posso, por razões éticas e óbvias, revelar o nome, que em uma escola estadual em minha cidade, a diretora e uma coordenadora pedagógica destruíram parte do acervo da biblioteca da escola, arrancando as capas para ocultar o crime e vendendo os livros como sucata. A desculpa, os livros estavam “feios” e maltratados, e uma nova leva seria enviada pelo governo para substituir os livros. Odeio usar este tipo de expressão, mas o dinheiro que sai de nossos bolsos em forma de impostos, compra os livros para as crianças, justíssimo, no entanto estes livros ficam trancados à sete chaves para não estragarem, como pessoalmente já vi livros que nunca haviam sido tocados em bibliotecas escolares, e se por acaso passarem raramente pela mão de uma criança, e tiverem um leve esfolado de uso, ou uma “orelha”, o destino é a destruição. A destruição de alguns exemplares pelo uso é natural, mesmo porque a criança não afeita ao uso desta mídia que é o livro, não saiba como manuseá-lo. Não foi o caso, as razões da destruição não foram por condições de uso, mas sim estéticas. E uma noção estética, perigosa, que muitas vezes passa pelo preconceito pessoal das pessoas que realizam estes “autos de fé”.


Em um momento em que por força da necessidade de letramento é importante que as crianças manuseiem os livros, e estes livros já meio rotos são os ideais, se o livro tiver de ser destruído, que o seja no processo de aprendizagem dos pequenos, e não pelo horrível senso de zelo de pessoas que deveriam estar pedagogicamente comprometidas, e não por desvelos burocráticos e exercício de pequeno poder. É tão difícil em um país de analfabetos funcionais começar a se incutir o gosto pela leitura, e sabemos que quanto mais cedo isto acontece, melhor e mais eficiente o efeito. O que me dói, é que uma das informações que me chegaram é que os livros escolhidos para virar sucata eram livros de poesia para crianças. Em um bairro carente de cultura em minha pobre cidade, o direito dos infantes foi vilipendiado.


Não é a toa que esta escola estadual teve notas muito ruins na avaliação feita pelo estado, não é estranho que muitas crianças estão chegando analfabetas no quinto ano. A poesia precisa de muito fôlego para sobreviver nestas condições. Se muitas destas pessoas mal saberão ler seus holerites e saber se estão sendo enganadas pelos patrões.


Não graças a estes funcionários zelosos e burocratas empedernidos.



Mas a poesia ainda vive.

bibliotecas do inferno




de Edson Bueno de Camargo

Sempre imaginei que livros queimados em praça pública em manifestações nazistas, livros queimados em fogueiras de autos de fé, livros triturados e amalgamados em novo papel higiênico, se transportavam para as bibliotecas do inferno. Os destruidores da Biblioteca de Alexandria, trazidos ali originalmente para cuidar dos volumes desta, catalogavam e cuidavam deste precioso acervo. Depois, bibliotecários sádicos, maus poetas e beletristas, passaram a cumprir ali seu castigo eterno. Mais tarde ainda censores papais e de insipientes ditaduras completaram os cargos remanescentes.

Demônios são criaturas que tem o saber como uma de sua fomes,
a ignorância dos homens aguça mais os seus apetites.

ratos devoravam pergaminhos
como queima agora
o azeite desta lâmpada...

domingo, 6 de setembro de 2009

Sobre o editorial do jornal Diário do Grande ABC de sexta-feira 04 de setembro de 2009

















Concordo com o editorial do Diário da Grande ABC que as administrações municipais estão deformadas em sua ideologia por conta da maneira com que tratam a Cultura em nossas cidades. Mas gostaria de esclarecer, que a Cultura de Mauá não se resume à Banda Lira, que tem grande importância, mas não é a única manifestação cultural em risco.

A própria Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Lazer de Mauá, já nasceu deformada, na “Reforma Administrativa” que “enxugou a máquina”, criou uma Secretaria vazia de cargos administrativos e técnicos, o corte na carne atingiu a Cultura como um raio, o Museu, o Teatro, as Bibliotecas carecem de infra-estrutura mínima para funcionarem, e estão de pé graças a muita boa vontade por parte de seus funcionários, que são heróis em sua profissão.

É claro que existe uma herança maldita, e ela existe mesmo, mas sinto saudade do tempo em que as administrações do PT eram criativas para sair da crise, e ao invés de transformar seus mandatos em “muros de lamentação”, procuravam parcerias com os produtores culturais e populares. Cadê nossos deputados estaduais e federais que aparecem sazonalmente em busca de votos, que tal uma gestão junto ao governo federal para algumas ações? Quando aos prefeitos gostaria que eles fossem além de uma compreensão simplória do que é Cultura. Cultura somos todos nós, Cultura também é memória. Um povo culto é mais barato, pois não destrói nem desperdiça.

Quanto a identidade perdida ainda é tempo de buscá-la.