sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Não valeria a pena.



Começo a escrever uma crônica, em princípio, sobre o “remake” da película de 1951, “O dia em que a terra parou”. O filme atual está contaminado por esta eminência horrível do cinema de Hollywood, em que as coisas tem que ser rápidas e sempre emocionantes, com um conflito e mortes desnecessárias e a solução final no fim da película, tudo se resolve nos segundos finais, quando podemos finalmente respirar. As coisas não precisam ser explicadas, a lógica do clipe sempre em via de mão única, onde é tudo entremeado com explosões espetaculares e pirotécnicas. Acredite, no fundo de tudo isto existe uma discussão muito pertinente. Afinal quem é o proprietário do planeta? Diante de uma espécie muito superior a nossa, seríamos apenas uma praga biológica que estaria destruindo o planeta? Como formigas daninhas deveríamos ser simplesmente exterminados, sem nenhuma explicação ou segunda chance?

O veio condutor do filme, onde a mocinha tenta convencer o alienígena a não destruir a humanidade, para mim carrega o maior dilema moral. Não saberia a princípio como agir nesta situação. Mesmo crente do potencial cultural da humanidade, como convencer alguma criatura não inserida neste contexto que não merecemos a extinção? Como se convencer diante de tantas provas ao contrário, que temos direito a uma segunda chance? Sempre falo, que se um alienígena com o poder e a missão de julgar a humanidade, andasse de carro pelo trânsito de São Paulo e em especial do Grande ABC (onde se insere minha cidade), chegaria este verdugo a conclusão que o animal chamado homem, por seu comportamento irracional, mesquinho e predatório, não mereceria existir.

No entanto, o filme é muito preso a um etnocentrismo, onde tudo acontece em um país do hemisfério ao norte do planeta, com uma população estimada em uns trezentos milhões de habitantes, quando a humanidade está em torno de seis bilhões. Existem culturas humanas totalmente inseridas na natureza, como os boximanes por exemplo: são uma nação que não consome produtos industrializados, não conhece a noção de propriedade (então segundo Proudhon, um povo livre de otários), a terra que ocupam não produz nada além de capim e víboras, vivem em condições de extremos, não abrem o capital de suas empresas e não negociam ações na bolsa de valores. Os alienígenas destruindo a humanidade, os nossos amigos sul africanos, sequer sentiriam a ausência dos cinegrafistas da National Geografic perturbando a sua rotina de caça e coleta, que devem realizar nos últimos seis milhões de anos, desde que um animal chamado homem existe. Nas mesmas condições estariam os ainus, no Japão pungente e progressista; os aborígenes da rica Austrália, que com sua arte mágica mantém as coisas onde devem estar desde o tempo dos sonhos; os lapões, próximos aos centros de excelência tecnológica dos povos nórdicos; as noções indígenas em todos os guetos e rincões das Américas, dos inuits do gelado Ártico aos últimos araucanos do Sul do Chile; dos ciganos; além, daqueles povos e culturas que esqueci e desconheço, mas que sei que existem, todos os povos acampados em situações precárias em zonas de conflito, refugiados, esfomeados e renegados e toda a sorte de perseguições, das massas de desempregados nas nações do terceiro mundo e das nações industrializadas, dos habitantes das ruas e toda a sorte de doentes mentais. Pela lógica do longa-metragem pagariam mais uma vez os inocentes, pelo pecado e ganância de uns poucos que enriquecem em Wall Street, que ali tem este nome devido a um muro segregador.

Apesar de tanto palavrório que coloquei até agora, o que me vem de fato na cabeça é a questão da massificação cultural que a globalização nos impõe. Um, que de fato isto está acontecendo. Dois, que não acredito que esta massificação tenha tanto poder assim o tempo todo. Sábado fui a um samba, feito em homenagem a Xangô da Mangueira, em um boteco entre pessoas espremidas para escutar samba de partido alto, com toda a reverência a sua recente viúva ali presente (não ouvi nem uma pequena notícia da morte da Xangô na grande mídia). Um barzinho pequeno em uma rua íngreme e tortuosa de um bairro popular de minha cidade, Mauá, em São Paulo, não foi no Rio de Janeiro não, cidade que tanto amo, mas que ingrata se recusa a idolatrar seu ilustre filho. Aqueles garotos (Projeto Samba de Terreiro de Mauá) tocando um samba que eles não deveriam compreender é uma resistência cultural que a “mass média” nunca vai alcançar. Tocam pelo prazer de tocar, ali de graça para todo mundo ouvir e quem quisesse se juntava à roda, batendo o ritmo na palma das mãos. Poderiam ser mais um grupo de pagode almejando o sucesso, o que seria justo, mas preferem manter seus empregos e dar sua cota de sacrifício pela manutenção de um bem cultural.

Penso que era isto que mostraria ao amigo alienígena, que existe uma resistência cultural aos valores de devastação que o capitalismo capitaneado por gafanhotos tentam nos empurrar goela abaixo. O ser humano é mais que os seus dominadores. Temos que deixar de viver pela lógica do opressor. Não existe opressão, mesmo esta insípida que nos é imposta, que dure para sempre. O ser humano é sempre criativo, haverá sempre um Oswald de Andrade a gritar pelas ruas, “Tupy or not Tupy”, a transformar o produto enlatado em um prato popular. A maior vitória destes parasitas da espécie humana é que nós acreditamos em nossa derrota. Agora entendo um pouco mais a lógica de Octávio Paz, quando ele fala que a humanidade se extinguiria com o fim da poesia.

Sem a poesia, não valeria a pena pedir ao estranho que não os exterminasse.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Nunca conhecerei Lisboa.

A solidão se faz de muitas faces, é uma tentação muito grande se introjetar em nosso mundinho particular e se isolar do resto do mundo e das coisas. Mergulhar no trabalho de tal forma que a única coisa importante seja trabalhar. Ai reclamaremos da falta de tempo, quando na verdade estamos sabotando nossa possibilidade de vivenciar o mundo. Para que tenhamos todo o controle é necessário deixar de viver um pouco, não fazer concessões ao acaso. É certo que o mundo das informações e das comunicações em massa nos deixam sem vontade de ver as coisas fora de casa. O que não nos damos conta é que estas informações são por si mesmas incompletas. O mundo verdadeiro sequer é arranhado pela mídia, ocupados em mostrar horrores todos os dias, não conseguem captar o vôo das borboletas a atravessar o bosque que existe aos fundos de minha casa em sua aventura para escapar dos predadores, preservar a espécie e ainda assim nos encantar a sua visão.

Assisti esta semana, em DVD o filme “Não por Acaso” de 2007 (http://www.naoporacaso.com.br/), direção de Philippe Barcinski, cujo o título já é um poema concreto que pode ser lido de diversas maneiras. Mais do que qualquer coisa este filme fala desta solidão a que me refiro, aquela que não é de fora para dentro, não é a solidão por falta de companhia, mas a de não querer ter companhia. Aos personagens é necessário encarar a perda para enxergar além do mundo sob controle. Ao deixar de correr riscos, corremos o risco de não viver. A dor faz parte de nossas vivências, se não nos mata, fortalece. Nunca imaginei também ver em prédios cinzas e vias congestionadas uma aventura visual e poética.

Também assisti em DVD o filme de Wim Wenders “O céu de Lisboa” de 1994, como sempre estou bem atrasado, o filme já foi visto um monte de vezes por milhões de pessoas, todas as impressões já foram feitas e desfeitas, então qualquer crítica cinematográfica que pudesse fazer, já seria inócua. Alguns dirão que é um filme menor de Wenders, coisa muito comum, é sempre aparente se fazer inteligente, se desdenhar de alguma coisa, “Drummond não é um grande poeta, pois sua obra é irregular.” “Pastel de feira é comida de pobre” (quando todos sabemos que é uma iguaria sem igual, se comido em pé, equilibrando um copo de caldo de cana), entre outras observações pseudo-acadêmicas. Drummond é um gênio por sua irregularidade, o bom poeta não é o que escreve de forma uniforme, caso contrário seria um farsante que encontrou uma fórmula para fazer poesia em série como pastel, mas que não tem gosto de feira, nem foi experimentado pelo acaso. Em poucas palavras, algo bem feito, bem desenhado, mas sem alma.

Turístico é uma das críticas que se faz ao filme “O céu de Lisboa”. Só a participação do Madredeus já valeria o tempo usado. No entanto a poesia permeia o filme inteiro, desde uma pichação na parede, em que o garoto português encontra dificuldade para traduzir, (poema que depois descobri ser do poeta Jorge Humberto), até as citações de Pessoa, um Baudelaire lusitano, substituindo Paris por Lisboa em seu flanar. Mas o poema mais constante é a própria cidade, que Wenders consegue transmitir com maestria. Qualquer que seja a origem da idéia e roteiro do filme, o poético entrou pelas portas dos fundos e inundou a película. Somente quem enxerga as coisas pela superfície, não perceberá a poesia aqui e ali. Passando atrás das costas do ator, que nem se dá conta dela. A Lisboa do filme, tem grama crescendo no meio fio, lixo no ponto de ônibus, prédios medievais em ruínas que servem de cortiço. A cidade ainda não tinha sido contaminada pela mania de grandeza da Comunidade Européia, que afastou Portugal de si mesma, e do poético. A cidade que vemos acaba sendo tão verdadeira que podemos viver nela. É claro que provavelmente nunca conhecerei Lisboa, nem a turística nem a poética, sem dinheiro para viajar até dentro de meu país e com cara de árabe seria barrado no aeroporto de Barajas.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

“A balsa da Medusa.”



Recentemente me vieram à lembrança as palavras proferidas por Adélia Prado em Paraty em 2006 (muito estranhamente, em um evento muito comercial e midiático, como a Flip), sobre a precariedade ontológica em que vivemos neste mundo. Para a poeta tudo se esvaece como uma neblina ao Sol. Tudo é muito provisório, nada é sólido o suficiente para que o tempo não corroa. As coisas estão mal amarradas, flutuamos em um mar de incertezas, afora aqueles que vivem mergulhados na ilusão de que bens materiais significam alguma coisa, as pessoas que conhecem a verdade sabem que isto que chamamos realidade, é apenas uma das faces dela.

Ouvindo as narrativas dos sobreviventes da “Balsa da Medusa”, uma forma que os náufragos de um desastre marinho encontraram para tentar sobreviver, o pintor francês Théodore Géricault (1791-1824), pintou, em 18 meses de trabalho ininterrupto, o que veio a ser a sua obra prima, em óleo sobre tela: “A balsa da Medusa.” Para isto criou modelos da balsa em estúdio e chegou a se amarrar em um mastro em meio a uma tempestade, para sentir o que de fato sentiram as vítimas. Observou cadáveres e os olhos profundos dos pouquíssimos que viveram para contar a história. É esta tela que escolhi para abrir este novo blogue. Como Robinson Crusoé percorremos a praia a catar o que o mar nos reservou. É com o que o mar rejeita que construímos nossas vidas. Foi assim muito cedo para mim, o mar nada me devolveu.

Estamos em uma balsa à deriva, naufragamos em todos os fracassos diários de nos manter à tona. Estão em nossos olhos as cicatrizes dos desamores e decepções com a humanidade. Será que merecemos mesmo a sobrevivência como espécie, não poderemos honrar nossos ancestrais que fizeram tantos esforços para que chegássemos até aqui?

Assim como Géricault, os que escrevem poesia tentam em vão colocar em palavras aqueles elementos efêmeros que se desvanecem com a luz. Olham para o fundo dos olhos dos que sobrevivem à dor, e mesmo assim sorriem. Elias Canetti fala que os poetas devem sentir a dor da humanidade para que se resgate a compaixão. Octávio Paz afirma categoricamente que a humanidade, ou aquilo que chamamos civilização, desaparecerá com a morte do último poeta. Seremos autômatos reproduzindo gestos e configurações ao espelho de nossas máquinas. Finalmente o homem e a máquina serão uma coisa só.

Enquanto houver poesia, não.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2009 entra com tonteiras e zumbido nos ouvidos.


Este blogue (precisamos de uma palavra em português para isso), está dois anos atrasado, era para ter nascido a dois anos atrás, em meio a efervescência do ano de 2006 e da Escola Livre de Literatura, na Casa da Palavra em Santo André - SP. O tempo foi passando e o projeto para mais um blogue sendo adiado dia após dia. Naquele ano escrevia uma espécie de Semanário com impressões diversas e bastante poético. Preciso do exercício da prosa, que para mim, diferente da poesia, sai meio a custo. A poesia dói para ser produzida, mas sai.

Este ano talvez tenha sido o único de minha fase adulta (e lá vão anos) que tenha feito a passagem de ano de cara limpa, sem uma gota de álcool. Não por minha vontade, mas por conta de uma crise de labirintite no dia de Natal. 2009 entra com tonteiras e zumbido nos ouvidos.

É esta questão da passagem do tempo que me incomoda desde sempre, e estes dois anos passaram como num susto, não senti, quando me apercebi estávamos fazendo os preparativos para a nova passagem, estas efemérides funcionam como marcadores para que não nos percamos. Foi durante o primeiro dia do ano de 2009 que percebi um coisa engraçada, e que preciso perguntar à outras pessoas se compartilham esta percepção. Quanto mais velhos ficamos, o tempo se estreita, como se a passagem dos anos se aproximasse à medida que passam e não se afastam. Quanto mais velho fico mais próximo está a minha juventude, adolescência e infância por assim dizer. É como se tivéssemos sempre uma quantidade única de tempo, independente de quantos anos tenhamos.

Vivemos pela percepção psicológica que temos do tempo e não pela sua real passagem, que deve ser particular à cada pessoa. Tenho a temeridade de falar que uma pessoa que vive alguns poucos anos, tenha a mesma percepção de quantidade de tempo de uma que chega a ficar idosa. A grande diferença é o acúmulo de memórias, mas esta já é uma outra história.