quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Impressões sobre "Cabalísticos" - por Jorge de Barros

Foto de Thaís Riotto


Impressões sobre "Cabalísticos"

Jorge de Barros

Olhando para o autor


Entro por teu livro como quando entro na tua casa. Já conheço a disposição dos móveis, os hábitos dos moradores, sei que tem uma bebida forte em cima do armário e me sento na sala com uma sensação boa de conforto e hospitalidade. Então retomamos velhas conversas e engendramos novos assuntos nessa atmosfera amistosa.

A Beth (*) falou em "chancela" e eu entendi isso como a consolidação de um estilo. Você chegou a um ponto em que a leitura de dois ou três versos já revelam a sua impressão digital. Me agrada a coerência do tópos feminino e telúrico, o seu instrumental de formas, imagens, metáforas e efeitos, construídos artesanalmente por meio de recorrências várias.

Mas será que devo temer essa posição confortável a que chegou meu amigo e poeta? Muitos artistas costumam se encastelar sobre um estilo adquirido com medo de perder o espaço tão ardorosamente conquistado. Creio que não. Tenho certeza que, no próximo livro, você me chamará para tomar café no porão ou no telhado.



Olhando para os versos


Zeus, para se tornar poderoso, teve que assimilar e dominar o feminino devorando sua esposa Métis. O contrário disso são os xamãs que, para alcançar a sabedoria, se efeminizam ao dar as costas para as guerras, mergulhando fundo na alma da Natureza. Essas são as duas posturas possíveis do homem frente ao feminino (Eu quase usei “sagrado-feminino”, mas tenho a impressão de que essa expressão seja redundante). A primeira, a postura patriarcal presente nas matrizes do mundo ocidental ensina que “as mulheres devem se calar no templo”, a segunda, mais antiga, presente nos cultos a Pachamama e Gaya e outras divindades ctônicas, ensina que as mulheres são o próprio templo. E aqui que se situa a poesia de Edson Bueno.

A mulher, nesses poemas-orações, é a mãe, a esposa, a amante, mas principalmente a terra. O campo lexical está repleto de elementos naturais, na maioria das vezes, postos de maneira surpreendente e inquietante, desafiando a lógica racional tão cara ao domínio do “masculino”, o que é coerente com o todo.

Assim como o xamã, o poeta se encontra na liminaridade, eis a fonte de seu conhecimento, pois ele habita a ponte que há entre o masculino e o feminino, um ponto de vista privilegiado, capaz de revelar as relações intrínsecas entre os dois lados e os caminhos capazes para qualquer tipo de transformação. O xamã é a ponte do vivo com os mortos, na cultura com a natureza; o poeta é a ponte entre o racional e o ilógico, entre a matéria e a palavra, entre o discurso e o sonho. E cai bem na poética de “Cabalísticos” esse casamento entre xamanismo e poesia.

Agora, para não dizer que só falei de flores, senti um certo esgotamento das imagens e dos temas, uma certa circularidade que, na minha impressão absolutamente pessoal, pode ter passado do ponto. Precisaria de leituras mais atentas para afirmar categoricamente onde, como e por que isso possa ter ocorrido, mas tenho a suspeita de que possa ter vindo justamente de uma das qualidades do poeta: a prolificidade. Mas se pensarmos que a natureza também tem na fertilidade um de seus atributos, até esse “defeito” pode ser visto, no final das contas, muito mais como um “efeito” da obra. Bem, que outros leitores o digam.

Agora, resumindo tudo, gostei pra caralho!


Abraço,

JdB

http://ooficiodoocio.blogspot.com/

(*) Beth Brait Alvim

Águas, Trilhos e Manacás - As Cores da Memória - de Marcelo de Paiva



Águas, Trilhos e Manacás - As Cores da Memória



Em uma ocasião que fazia uma leitura de poemas na Casa das Rosas, na Avenida Paulista, no coração da capital do estado, soltei uma “frase de efeito” que na verdade é para mim uma certa ferida sem cura: - quão pouco o Brasil conhece o Brasil. Falo das pessoas que não conseguem ir além de uma visão midiática da realidade, de uma visão acrítica, de mero expectador, coisa de anos de treinamento em frente a uma televisão ideologicamente entreguista e venal, a grande janela para o mundo e ao mesmo tempo uma prisão psíquica.

O mesmo pode se aplicar à nossa região do Grande ABC, onde as manifestações culturais locais muitas vezes passam desapercebidas da grande multidão. A cultura existe, acontece, independente de nós a vermos ou de existir qualquer iniciativa pública. Produzir cultura é inerente do ser humano, já dizia o estudioso do aprendizado humano Vigotsky, em suas observações, afirma que o caldo de cultura em que estamos mergulhados, é que determina o que somos, o que aprendemos, o que seremos e o que apreendemos. É necessário que haja um espelho para que possamos ver nosso reflexo. A cultura de um povo é exatamente isto, algo em que possamos nos reconhecer. A medida que se deforma esta imagem refletida, com excertos alienígenas, ausências e omissões, deixamos de nos reconhecer e nesta medida termos vergonha do que e de quem realmente somos, de nosso passado, de nosso presente, e vai se eliminando a possibilidade de termos um futuro, como povo, como nação, como cultura autônoma.

Neste cenário temeroso, acontecem alguns pequenos milagres, além do fato que a cultura ser produzida, queiramos ou não, a vermos ou não; acontece algo como a publicação de um livro patrocinado por uma empresa que dá certo fôlego e visibilidade às manifestações locais, tão obliteradas pelo grande sol que é nossa vizinha capital, da qual somos satélites não só econômicos, mas culturais.

O livro lançado dia 21 de setembro, na livraria Alpharrábio, “ Águas, Trilhos e Manacás – As Cores da Memória” do historiador e pesquisador Marcelo de Paiva com a muito feliz parceria da SOLVAY INDUPA, abre uma pequena clareira na selva de informações, e ajuda a entendermos melhor a riqueza escondida nos cipós de fibra ótica, que compõe o conhecimento humano hoje. O livro muito bem executado, muito bem diagramado, com informações muito precisas, com um trabalho de pesquisa artesanal, sem uma visão sociológica, mas a de um participante ativo, a do pesquisador claramente envolvido com o assunto e principalmente com as pessoas. Pois são as pessoas, ao meu ver, que devem ser o principal alvo de qualquer ação cultural.

Haverá os que dirão que o livro não abarcou todas as manifestações culturais do ABC, e creio que talvez estejam certos. Mas é neste momento que não queria estar na pele dos organizadores da obra e de seu autor, pois em frente a um veio rico em muitos minérios preciosos, como decidir qual devemos minerar, e minerados quais deverão compor a liga que se fundirá na obra final. Tenho certeza que muitos assuntos foram tomados de paixão e abandonados para um projeto posterior por falta de espaço, pois no veículo escolhido o livro, falta lugar para tudo, sabemos muito bem o que colocar, é na hora de saber o que será deixado para trás, que partimos o coração em pedaços. Tenho certeza que muitas vezes o Marcelo de Paiva esteve diante de um grande dilema moral, ético e sentimental. Seja quais os critérios que nortearam sua pesquisa, por certo, houve momentos muito dolorosos.

Por fim devo agradecer muito a presença de um poema meu na página 79 e alertar que este livro é apenas uma janela que se abre neste grande edifício que a memória cultural do Grande ABC, pois existem cidades que ficaram a serem pesquisadas e manifestações que surgem a todo momento, e infelizmente outras que desaparecem sem sequer serem conhecidas. Que sirva de exemplo o bom trabalho do Marcelo com sua amabilidade e cuidado com os entrevistados e colaboradores, sua boa escrita, seu projeto, e principalmente pela parceria da empresa SOLVAY INDUPA, que enxergou no nosso sofrido ABC, não só a possibilidade de exploração e enriquecimento, mas também a sua importância na construção do que podemos chamar da grande cultura brasileira, que vai muito além do carnaval e nádegas lustrosas em suas praias.

Se ainda existe um sonho de futuro neste país, isto não se fará sem a cultura.





Águas, Trilhos e Manacás - As Cores da Memória de Marcelo de Paiva - SOLVAY INDUPA

Encontro Literário 7 Cidades - Casa da Palavra - Santo André - 24/09/2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

CIRCUITO 7 CIDADES - ARTE E CULTURA



CIRCUITO 7 CIDADES - ARTE E CULTURA


As cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, por meio de suas secretarias municipais de cultura e o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, estão juntas em projeto cultural regional histórico. O Circuito 7 Cidades – Arte & Cultura vai levar a cultura produzida por grupos locais para todos os cantos do Grande ABC. São intervenções e apresentações gratuitas nas áreas de teatro, dança, cinema, literatura, música e artes visuais espalhadas por teatros, parques e praças públicas.


Além de identificar, valorizar e divulgar os talentos de nossa região e promover o acesso à cultura, o projeto é a consolidação de uma política cultural que, pela primeira vez, vai unir os sete municípios por um interesse comum: arte e cultura para todos!

Encontro Literário 7 Cidades

Primavera será tema de declamações no Encontro Literário 7 Cidades dentro do Circuito 7 Cidades – Arte & Cultura,   o único evento a ser realizado em Santo André, no dia 24, às 19h, na Casa da Palavra


Encontro Literário 7 Cidades
24/9 (sexta) – 19h
Local: Casa da Palavra, Santo André
Praça do Carmo, 171, Centro

(A cidade de  Mauá estará presente com a participação dos poetas Castelo Hanssen 
e Edson Bueno de Camargo )

terça-feira, 14 de setembro de 2010

6º Concurso Literário de Suzano Edição: Carolina Maria de Jesus - Resultado:



PREFEITURA DE SUZANO
SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA
COORDENADORIA LITERÁRIA
ASSOCIAÇÃO CULTURAL LITERATURA NO BRASIL
6º Concurso Literário de Suzano
Edição: Carolina Maria de Jesus

Categorias:
1ªConto • 2ª Poesia

Resultado:

POESIA REGIONAL
1º LUGAR
Joabson Santos Pereira
Guarulhos – SP
Texto: Cinzas

POESIA NACIONAL
1º LUGAR
Edson Bueno de Camargo
Mauá – SP
Texto: Pele de calcanhar


2º Lugar:
Roque Aloisio Weschenfelder
Santa Rosa – RS
Texto: Virtuoses
3º Lugar:
Nestor Isejima Lampros
Atibaia – SP
Texto: 6 vezes
4º Lugar:
Hugo Maciel de Carvalho
Perdizes – SP
Texto: Avestranha
5º Lugar:
Elroucian Ecayali Santos da Motta
Porto Alegre – RS
Texto: Idio(t)ssincrasia
6º Lugar:
Gregory Magalhães Costa
Rio de Janeiro – RJ
Texto: Estudante
7º Lugar:
Jorge Gonçalves de Oliveira Junior
São Paulo – SP
Texto: Espiral
8º Lugar:
Julia Parreira Zuza Andrade
Belo Horizonte – MG
Texto: Rotina
9º Lugar:
Karina Pereira Issamoto
Taubaté – SP
Texto: Fim de noite
10º Lugar:
Camila Galvão de Oliveira
Curitiba – Paraná
Texto: Fugaz

CONTO REGIONAL
1º LUGAR
Antonio Raimundo Pereira Medrado
Suzano – SP
Texto: Onde estarão os meus

CONTO NACIONAL
1º LUGAR
Raimundo Nonato Albuquerque Silveira
Fortaleza – Ceará
Texto: A praga
2º Lugar:
José Flávio de Freitas
Rio de Janeiro – RJ
Texto: Eterno Combate
3º Lugar:
Éder Rodrigues da Silva
Belo Horizonte - MG
Texto: Boneca de pano
4º Lugar:
Maria Luzia Ferreira de Rezende
Itajubá – MG
Texto: A mercenária das palavras
5º Lugar:
Maíra dos Santos Matthes da Costa
Rio de Janeiro – RJ
Texto: Bárbaras nuvens
6º Lugar:
Rodrigo Zafra Toffolo
Santos – SP
Texto: 1968
7º Lugar:
Gustavo Fontes Rodrigues
São Paulo – SP
Texto: O vale dos justos
8º Lugar:
Ricardo Lahud
São Paulo – SP
Texto: Jogo de damas
9º Lugar:
Mônica Pinheiro Lima Franco
Suzano- SP
Texto: Fim de poço
10º Lugar:
Diogo Marins Locci
Mogi das Cruzes – SP
Texto: A Fetichista

Informações específicas:
(11) 7348-0400

Informações gerais:
cultura@suzano.sp.gov.br
Site da Prefeitura de Suzano

Blog da Associação Cultural Literatura no Brasil


A seguir o poema classificado, um poema por qual tenho grande carinho:

pele de calcanhar



para a camarada Fátima Nunes Silva



quando criança no Cariri
amiga minha
tinha os pés no chão e no pó
o sol arrepiado no quengo
criança só se podia nas horas que sobravam

dia a dia
dedos solitários
e solidários às pedras
e seus carinhos
sertão de duros espinhos
uns na carne
outros na alma
(uns nunca se esquecem)

da cacimba a casa
pote sobre a cabeça
olhos em contrição ao céu
chuva não

ter uma sola sob os pés
que não fosse dura pele de calcanhar
(chinelas bem guardadas em casa)

só em dias de feira e igreja
nas raras festas em que se celebre
não se sabe o que de alegria
(deus de olho em tudo
sem fazer nada)

um par de sandálias de tira
(destas baratinhas
de borracha sintética)
com status de calçado de luxo
lavado até o fim do branco da palmilha

a linha funda do destino
cortava a epiderme e solado
(endurecia o couro e o espírito)

até às primeiras letras foi uma luta
rebeldia e silêncio da morte
para quem come pouco
nada é tão perto

demorou muito sapato

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

domingo, 12 de setembro de 2010

Leitura estética de Cabalísticos, Edson Bueno de Camargo




Leitura estética do livro Cabalísticos, de Edson Bueno de Camargo

Beth Brose (*)

O pedido de José Geraldo para falar sobre duas obras literárias em 13 minutos geraria certa ansiedade, pois não há fórmula para colocar toda a vivência poética de uma leitura intensa em um tempo tão exíguo. Prevenindo a todos sobre esse fracasso, começamos a tratar de Cabalísticos, livro de poemas de Edson Bueno de Camargo.

A leitura que proponho é aquela que parte da teoria dos estratos de Roman Ingarden, o autor de Untersuchungen zur Ontologie der Kunst, A Obra de Arte Literária. Isso quer dizer que, primeiramente, o ouvinte e/ou leitor ouvirá a massa sonora e/ou verá a grafia como atos de pura intenção ou de intenção vazia, pensamento conceitual vazio. Quem tiver o livro, por favor, acompanhe ‘Asas de vidro’, na página 95.


asas de vidro

anjo de asas de vidro
escorrem pelas tuas costas
líquidas
escamas de peixe
perfume de pequenas margaridas
secando sobre lápides invisíveis

odor de tardes vermelhas
faz lembrar lavanda verdadeira
caídas e caladas flores roxas
em escadas de jade
lisas como o talco pedra moído e branco
no vento que move teus cabelos

(...)

Passado o momento dessa sonoridade e grafia que se instalou em nossas mentes como massa, chegamos ao 3.° estrato, aquele que nos remete à imaginação na leitura. Esse é o ato intuitivo por excelência, segundo Husserl, é a percepção sensível, também chamada experiência ou doação originária.

Vejamos os substantivos: anjo, asas, vidro.

O anjo é um ser puramente espiritual, servidor de Deus e mensageiro entre Ele e os homens. O anjo tem asas que, no princípio, foram cada um dos membros anteriores das aves e morcegos, modificados especialmente para o voo. Mas também são, em anatomia zoológica, cada uma das nadadeiras peitorais bem desenvolvidas de certos peixes, que permitem pequenos voos na superfície da água.
As asas são de vidro, ou seja, de substância rígida, inorgânica, geralmente transparente e quebradiça, fabricada por meio da fusão a altas temperaturas de uma mistura de silícios (areia) e carbonatos, seguida de rápida solidificação.

Asas delicadas que se deterioram facilmente; pessoa delicada que, por qualquer palavra descuidada, chora.

Anjo de asas de vidro que escorrem pelas tuas costas significa que, num primeiro momento, as asas deixam-se correr em fios ou gota a gota, deixam-se sair; brotar, verter em gotas ou correr em fios como o suor. As asas tombam, descaem como a blusa que lhe escorria dos ombros.

anjo de asas de vidro
escorrem pelas tuas costas
líquidas
escamas de peixe
perfume de pequenas margaridas
secando sobre lápides invisíveis

Fica a critério do leitor escolher a qual substantivo pertence o adjetivo líquidas (asas, costas ou escamas), ou mesmo, eleger os três: asas líquidas, costas líquidas e escamas líquidas de peixe. Escamas que são pequenas lâminas epidérmicas dos habitantes das águas (brejos, rios, mares).

Anjo que tem perfume de flores que secam sobre lápides. Perfume que emana vivo de túmulos, onde os mortos são guardados. Anjo que reativa a vida, de onde não se espera mais nada.

odor de tardes vermelhas
faz lembrar lavanda verdadeira
caídas e caladas flores roxas
em escadas de jade
lisas como o talco pedra moído e branco
no vento que move teus cabelos


O aroma de margaridas lembra um campo de flores roxas, as lavandas. Perfumes florais de tardes vermelhas, de sol se pondo, ou, antes do sol nascer, aquela claridade que aponta o início da manhã. Vermelho é cor da aurora que Homero descreveu em Odisseia como dedos róseos.

“Assim que, nascida pela manhã, surgiu a Aurora de róseos dedos, demos uma volta pela ilha, admirando-a. Ninfas, filhas de Zeus portador da égide , fizeram levantar das suas tocas cabras-montesas, boa refeição para os meus companheiros.” (Odisseu e os ciclopes)

em escadas de jade
lisas como o talco pedra moído e branco
no vento que move teus cabelos

Degraus de minerais duros, compactos e esverdeados; degraus lisos, pó finíssimo como o gesso, que se opõe ao movimento do vento e dos cabelos que lembram

pequenas salamandras amarelas

Salamandras são animais com caudas longas, de corpo alongado, geralmente com aspecto de lagarto, incluindo formas totalmente aquáticas ou totalmente terrestres, assim como espécies anfíbias.

que incendeiam os olhos sonolentos

Esse ser quase mitológico acorda e apaixona o sujeito. Esse anjo é um ser que “sonda a noite de corações latentes que vibram com a música patente das colheres com pouca prata”.

Ou seja, o anjo lembra uma mulher, meio animal, com escamas de peixe: sereia. Ser mitológico feminino, representado sob a forma de ave ou peixe, com cabeça e/ou peito de mulher e, às vezes, empunhando uma lira; sirena. Os primitivos navegadores diziam ter ela um canto maravilhoso, com o qual atraía os marujos para o mar, onde pereciam afogados. É uma mulher de canto suave, sedutora.

Retornando à Odisseia, Homero conta que Circe avisou Odisseu que as sereias fascinam os navegadores e que eles, quando ouvem seu canto, jogam-se ao mar (e morrem!) à procura delas. Odisseu deixa-se atar por laços ao mastro do navio. Ele e todos os seus companheiros têm os ouvidos tapados com cera. Passam, assim, pelas sedutoras sereias sem sentirem o impulso de se afogarem no mar em busca de seus encantos. Odisseu teria sido, então, o primeiro mortal a sobreviver à música das sereias.

A sereia de Cabalísticos parece ser o aspecto (Ansicht) esquematizado, isto é, o inesperado horizonte que surge na obra literária e segue para além dela. Graças à imaginação do leitor, atualiza o que é apenas «esquema» vazio, disponibilidade. As sereias que seduzem e tangenciam a morte sugerida pela lápide já são anunciadas nos agradecimentos do livro:

a todas as Deusas de todos os panteões e lugares
às mulheres no sentido mais amplo do feminino sagrado
à minha amada companheira Cecília
a todos que me precederam e aos que estão por vir
ao meu clã e todos que estão sob sua proteção

Os aspectos esquematizados dão liberdade imaginativa para o leitor que pode ir além das páginas do livro numa atitude intuitiva de recriação.

Cabalísticos - Edson Bueno de Camargo - Coleção Orpheu - Editora Multifoco - 2010 - Rio de Janeiro - ...ISBN 978-85-7961-182-7



(*) Beth Brose - Elizabeth Robin Zenkner Brose é gaúcha, graduada em Letras pela UMESP - Universidade Metodista de São Paulo; participou de vários seminários de literatura na Universidade de Göttingen – Alemanha; obteve o diploma KDS - nível superior de alemão - pela Universidade de Munique e Instituto Goethe de Brasília. É especialista em Literatura Brasileira pela PUC-RS. Mestre em Teoria da Literatura e Doutora em Teoria da Literatura pela PUC-RS.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Diário do Grande ABC - dia 10 de setembro de 2010 - Caderno Cultura & Lazer - Página 6


Chamada na capa do jornal. 

Caderno Cultura & Lazer - página 6

http://www.dgabc.com.br/News/5829981/noite-poetica-na-casa-da-palavra.aspx

Noite poética na Casa da Palavra

Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC



Dois poetas da região, o andreense José Geraldo Neres e o mauaense Edson Bueno de Camargo, lançam hoje, às 19h, na Casa da Palavra, em Santo André, seus respectivos livros: Olhos de Barro e Cabalísticos (ambas da editora Multifoco, preço médio R$ 30).
Segue à noite de autógrafos mesa crítica com Claudio Willer, Deise Assumpção, Elizabeth Brait Alvim e Elizabeth Robin Zenkner Brose, além de intervenções musical e corporal.
Olhos de Barro, terceiro livro de Neres, partiu da imagem de uma boca que não tinha rosto nem nome, percorrendo uma casa aberta de quatro cômodos, sem conseguir sair do ambiente. Memórias da infância foram percorrendo esse fio de imagem e a dotá-lo de sentido para depois torná-lo poesia.
"Algumas obras me ajudaram a compor, entre elas os livros Octavio Paz, Murilo Mendes e Alice, de Lewis Carroll. Não existe criação no vazio", diz Neres.
Às memórias da infância agregaram-se os elementos da natureza e a poesia tomou corpo de prosa poética. "A infância aparece como símbolo de aprendizado, representando o momento em que estamos abertos a tudo."
Nem só as belas memórias de infância, carregadas de afeto, compõem o olhar para esta fase do escritor. "O livro tem um lado um tanto cruel, de lançar olhar para as transformações representadas neste período, para a busca por viver e não ter nenhuma dúvida de que ficou algo para trás. Ao mesmo tempo é uma infância que provoca, que quando você revisita, pode se tornar criador, dotar de outro sentido essa vivência, aperfeiçoar sua essência através deste caminho", completa Neres.
Cabalísticos nasceu com base na ideia do sagrado feminino. O título sugere a busca dos sinais que representam essa ideia, que por mais que estejam à vista, não são traduzidas tão facilmente. "Fui percebendo que no surgimento da humanidade o espaço do sagrado era da mulher, mas, ao longo do tempo, passou para o homem. Em todas as religiões, até nas mais machistas, esse feminino existe. No cristianismo, por exemplo, é Maria", conta Camargo.
A musa sagrada, nesta obra, toma corpo e forma poéticos. "A poesia é o sagrado feminino, porque é como uma mãe, que tem o dom de gerar a vida e trazer compaixão ao mundo combativo que vivemos hoje", finaliza Camargo.

Lançamento dos Livros Cabalísticos e Olhos de Barro - Literatura. Na Casa da Palavra - Praça do Carmo, 171, Santo André. Tel.: 4992-7218. Hoje, às 19h. Grátis.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

I Concurso de Poesia Amigos do Livro / Flipoços – 2010 - Série Poemas Premiados

tenho sapatos rotos


Poema conversando com Leonard Cohen



riscados de pedra e ladeira abaixo
tenho sapatos de pedra branca
e a terra insalubre de minha infância
o saibro que se desfazia ao vento e a água
e da infâmia acústica de meus ouvidos

tenho os pés lavados de agora
na torneira da chegada
e asas de santo vagabundo de estrada

tenho a beatitude do agora
e o medo obscuro que nunca me chegue a morte

tenho asas dobradas dentro de sapatos rasos
rasgadas à seda de uma lágrima
calçados de caos e areia diluviana

antes a dúvida perturbadora
dos incensos e sírios nas igrejas
da fé não respondida
à certeza que carrego agora




- I Concurso de Poesia Amigos do Livro / Flipoços – 2010 - Poema vencedor entre os quarenta selecionados para publicação – Poços de Caldas – MG- 2010;


Páginas 22 e 23

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

“Entranhas Alucinadas da Aldeia” na Galeria Olido dia 13 de setembro de 2010



No dia 13 de setembro, às 18h, o Sarau de Leitura apresenta “Entranhas Alucinadas da Aldeia”, com lançamento do livro homônimo do poeta Júlio Bittar. 

O encontro conta ainda com a participação especial de André Góes, Edson Bueno de Camargo, do músico Gabriel Kolyniak, entre outros.

Acontece às 18h.

Galeria Olido.



Av. São João, 473. Centro São Paulo - SP. 
Próximo das estações República, Anhangabaú e São Bento do metrô.
Tel. 3331-8399 e 3397-0171. Segundas-feiras. Grátis

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/galeria_olido/noticias/?p=8235