quinta-feira, 25 de março de 2010

Só não peça que me cale.


"Calar de si mesmo, é humildade;
Calar os defeitos alheios, é caridade;
Calar palavras inúteis, é penitência ;
Calar nos momentos oportunos, é prudência;
Calar na dor, é heroísmo;
Calar a verdade, é omissão.

                                           São  Domingos."




(Esta imagem de São Domingos é de Fra Bartolomeo, do século XVI)






“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.”

Cecília Meireles




Relutei um pouco antes de escrever este texto, pensei estar dando muita importância a quem não devia, não posso dar espaço a vazão irracional de um louco, ou me tornar refém de sua verborragia inconseqüente. Tenho por princípios, nunca ceder à chantagem. Já quase paguei com a vida por isto, fazer o quê, se não honramos mais nem os compromissos que tomamos com nós mesmos, o que vamos valer? Que fazer? Sou antigo em tudo, acredito até em honra.

Depois de várias mensagens de solidariedade, do meu mestre querido Cláudio Willer, de amigos, de pessoas que mal conheço pessoalmente (trocamos algumas palavras através de um e-mail ou comentários em textos um do outro, todos devidamente assinados, diga-se de passagem), que me foram muito gentis. Mas principalmente por conta de dois telefonemas do amigo, o jornalista e contista, Aristides Theodoro, que preocupado com minha tristeza,  me passou uma citação do crítico francês do século XIX, Saint-Beuve, sobre o crítico ser aquele  incapaz  de produzir. Resolvi escrever algo, nem que seja apenas como exorcismo. (Afinal, o bom exorcismo ainda é muito funcional, para espantar fantasmas e demônios.)

Não encontrei as palavras exatas de Saint-Beuve, mas creio que isto não importa muito, uma vez que não recebi críticas, mas ataques,  primeiro ao grupo a que pertenço, e depois com mais virulência, ataques à minha pessoa. Não vou dar conta do conteúdo destes ataques, uma vez que empenhei minha palavra com o agressor, que publicaria todos os seus comentários em meu blogue se este me der um nome que não seja de fantasia para assiná-los. Embora muito me doam as acusações feitas. Sou chamado de covarde, eu que estou as claras e desarmado, por aquele que das sombras me injuria.

Não sei lidar com estes conflitos. Não sei lidar com o ódio sem motivo aparente, nem o meu próprio ódio tolero. Aceito qualquer sentimento contra minha pessoa, desde que dito na minha cara, com todas as palavras, olho no olho. Não consigo levar a sério pessoas dissimuladas, ou que se escondem sob o véu do anonimato. É um pouco como pessoas que maltratam animais, mais cedo ou mais tarde, isto se revelará uma psicopatia. Não existem pequenos atos criminosos, crime é crime. Se não sou agredido diretamente e as claras, não há chance de defesa, fere-se o princípio da Constituição, a do contraditório, não há uma discussão, é um ataque linear, é unilateral. No livro do Apocalipse existe em algum lugar que estou com preguiça de procurar para citar com exatidão agora, que os cães e as cobras não entrarão no Reino dos Céus. Não acredito em reinos para depois da morte, mas gosto da simbologia que isto quer dar, o evangelista não fala dos animais da fauna, fala das pessoas que atacam pelas costas, dos que mordem nossos calcanhares na surdina e traição. O traidor pode ser aquele que come ao teu lado hoje, amanhã contando trinta dinheiros, rirá de tua sorte.

É tão difícil fazer algo pela cultura de nossa cidade, é uma realidade periférica, satélite de um grande centro, com uma formação proletária que dá muito pouco valor à coisas imateriais, pau é pau, pedra é pedra, pão é pão e poesia não se come. Em um grupo, além de lidar com a vaidade natural dos artistas, das idas e vindas do apoio oficial, da total falta de interesse da população em geral para com o que estamos fazendo, sobreviver é tudo o que fazemos bem. O teatro e a música, ainda conseguem ir um pouco mais adiante, por conta da fruição diferente que estas linguagens representam. A literatura é a prima pobre das artes, em um país que não é tradição ler, a poesia coitada, é a prima miserável. Se todos se unissem, coisa que não acredito possível, já seria muito complicado, lutando uns contra os outros fica muito pior.

Não sei o que fiz para gerar tanto ódio, tenho escritos meus poemas, e mostrado às pessoas, o que até onde sei não é crime, no muito, me tomam por um chato, um indesejável artista que teima em não ficar invisível. Lê quem quer, principalmente lê quem gosta, se lhe mando um e-mail, e não o quer receber mais, é simples, responda com este desejo, não mando mais. Não gosta da atuação de meu grupo, não nos acompanhe. Não quer ser meu amigo no Orkut,  delete o meu perfil de seus amigos.  Crê que cometemos algum crime, nos acuse formalmente, vá ao ministério público,  faça uma denúncia às autoridades competentes. Acha que o que fazemos é formal demais, que devíamos ganhar as ruas, faça algo por isso, vá para as ruas. Acredita que estamos longe do povo, lute por sua causa.  Não gosta da Câmara Municipal de Mauá ( Por quer será?), tome as praças. Falarei com aquele que quiser me ouvir, o padre e o ateu, o rico e o pobre, na rua, mansão, ou casebre. Só não tente nos conduzir, nos controlar, ser o fiel da balança, o juiz de todas as causas, como nos diz Patativa em sua grande sabedoria, “cante lá, que eu canto cá”.

Há poetas heróis como Roque Dalton  e Che Guevara, há poetas santos como o Gentileza, há poetas iluminados como Mário Quintana, há poetas ao gosto popular  como Vinícius de Morais, há poetas na música como Renato Russo, há poetas populares como Cego Aderaldo e meu grande amigo Moreira de Acopiara. E há o pó da sandália dos grandes poetas, não tenho tanta pretensão. Escrevo porque vou morrer, como afirma meu amigo, o poeta José Carlos Brandão. Somos todos patéticos diante da finitude e da precariedade da vida humana. Não importa o que pensem ou o que falem.


Escrevo poesia porque já não sei mais fazer outra coisa. Só não peça que me cale.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sobre o aviso colocado na barra lateral do blogue.

Sobre o aviso colocado na barra lateral do blogue.



Infelizmente uma pessoa desonrada tem feito ataques contra nosso blogue, não entendo bem a razão, mas louco não precisa de motivo, em um primeiro momento pensei se tratar de alguém despeitado, mas inofensivo,   inocentemente permiti algumas de suas postagens agressivas e difamatórias, por um espírito conciliatório, acreditei dada voz a sua indignação, a sua ira se aplacasse. Mas isto fez com que os ataques se multiplicassem e se tornassem mais agressivos, um gesto de paz foi confundido com fraqueza. Em um primeiro momento tais ataques se arrefeceram, e pensei que haviam parado. Mas eles voltaram e em outros blogues que administro.

Este tipo de ação consiste de crime no Brasil, e se isto for recorrente, tomarei medidas cabíveis, não esqueça o "anônimo" que em caso de crime IPs podem ser rastreados, e se outras pessoas tiverem sofrendo algum ataque, tem alguns links abaixo para maiores informações. 

Peço perdão por usar este espaço, mas se tornou necessário dada a dimensão do problema. 

Respeito e paz para todos. 

http://elcabron.sjdr.com.br/internet/voce-foi-vitima-de-cyberbullying-saiba-como-se-defender/

http://www.baixaki.com.br/info/2075-o-que-e-cyberbullying-.htm

http://www.vestibular.brasilescola.com/blog/cyberbullying-um-novo-crime-virtual.htm




 

 

Aviso importante.

Sinto-me no direito de recusar comentários anônimos, este blogue é um espaço para todo tipo de discussão, desde que em termos civillizados e com urbanidade. Fale o que falar, críticas, mesmo as infundadas, ponha seu nome perfeitamente identificável, eu publico, sem nome, apago.

Lamento ter que colocar este recado aqui, mas o possível anonimato que a Internet dá, faz com que algumas pessoas sintam-se no direito de serem agressivas.

Ciberbullying - tolerância zero.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A poesia deve sempre ser acessível?




"Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras" Clarice Lispector


De vez em quando alguma coisa que escrevemos, inadvertidamente, acaba gerando mal-entendidos e constrangimentos, nem sempre nos damos conta da extensão do que escrevemos e até onde isto pode chegar. Ao usar a expressão “pessoa comum” acabei por gerar uma “saia justa” para mim e uma discussão interessante em uma comunidade que participo na rede social Orkut, que acreditem se quiser, entre um “miguxo” e outro, travam-se sérios debates literários e até filosóficos. O debate que transcrevo à seguir se deu na comunidade do orkut “Vamos escrever um livro?”. Para mim se tornou pertinente aos assuntos abordados em meus “Inventários”.

A frase que gerou o debate foi a seguinte:

"Um amigo me questionou se a pessoa simples e comum conseguiria ler minha poesia que é muito complexa, ao que respondi, a pessoa comum não consegue ler sua conta de luz, quanto mais um poema.

Não acredito que devo ter esta angustia, escrevo para me safar da morte, mostro às pessoas como uma forma de exorcismo. "

Nesta frase, para mim ficou bem nítido que as pessoas comuns estão mergulhadas no cotidiano, sem olhos para ver a poesia, sendo que muitas destas pessoas estão em um estágio de analfabetismo funcional, o que as impede de ler e entender coisas banais, mas isto foi o que eu pensei. Mais de seis meses depois de ter escrito isso, e esquecido por completo como sempre (é por isso que escrevo), quando o tópico já havia “esfriado” e quase desaparecido no mar de outros tópicos da comunidade, a internauta Nai Santos e membro da comunidade coloca o seguinte “post” com sua justa indignação.

“Edson
O que é para você uma pessoa comum? Você não estaria subestimando o leitor?
Considero-me uma pessoa comum e sempre gostei de poesia. A capacidade do homem não está nos estudos acadêmicos e sim nas experiências adquiridas com as suas vivências. O meu pai aprendeu a ler depois que se casou com minha mãe por insistência dela. Nunca freqüentou uma escola, após ter aprendido ler se tornou um amante de Manoel Bandeira e Drummond, do meu pai herdei o prazer de ler poesias. Devemos evitar os preconceitos! “ Nai Santos

- Ao que respondi -

Não me lembro de ter usado a expressão "pessoa comum", o que digo é que as pessoas estão por demais presas ao seu cotidiano para apreciar a poesia. Estamos engolfados em um meio onde a praticidade e a utilidade imediata são os valores maiores.

O ser humano tem uma capacidade muito além do que usa, há pessoa tocadas pelo poético independente de sua formação acadêmica, e vou mais longe, creio que a formação escolar às vezes atrapalha.

Uma pessoa gostar de poesia não é norma, faça uma pesquisa simples em seu meio. Fico feliz quando ouço relatos de pessoas que tem este contato, dei oficinas de criação literária e lidei com pessoas em todos os níveis educacionais e condições sociais, todas movidas pelo amor à poesia; mas estas pessoas não são "comuns", elas são especiais, se distinguem da maioria que vivem mergulhadas na ordem. Só o amor ao caos nos torna poetas.

Não distingo as pessoas pelas que gostam de poesia, pelas que não, mas sou muito mais perigoso que o preconceituoso, o preconceituoso tem uma fórmula que aplica a todos e para explicar o mundo, eu acredito que a poesia funciona para quem tem a mente aberta à poesia, e não tenho uma explicação científica para isso. Portanto não sou preconceituoso, sou elitista.

A poesia é para os tocados, e estes são poucos.

- Minha resposta foi pouco cortês, e não tardou o retruque -

“Oi Edson
Vou copiar e colar o seu texto para refrescar a sua memória:” Nai Santos

"Um amigo me questionou se a pessoa "simples e comum" conseguiria ler minha poesia que é muito complexa, ao que respondi, a pessoa comum não consegue ler sua conta de luz, quanto mais um poema".

- Neste momento esqueci a preguiça e li todos os “posts” anteriores, para realmente dar uma resposta mais adequada e menos enviesada-

Talvez tenha usado o termo errado, quis me referir ao analfabetismo funcional nesta frase, é complicado falar nestes termos sem que se acabe por ofender alguém, se usasse “pessoa ordinária”, por exemplo, que é em bom português, nos termos de dicionário: uma pessoa como outra qualquer, sem qualquer conotação pejorativa, mas acaba tendo. Eu sou uma pessoa ordinária, não tenho nada que me distinga dos outros, sou uma pessoa comum no meio da multidão.

Quando me referi à pessoa comum, termo inadequado, me referi à minha experiência como educador, em nosso país temos pessoas que estão à margem da leitura mais profunda por serem analfabetas funcionais. E que fique bem claro, o problema está em adquirir conhecimento através da leitura, de maneira alguma podemos desprezar o conhecimento de vida e a vivência de experiência destas pessoas. Também não é uma questão de inteligência, Gardner, em seus experimentos prova que cada pessoa carrega uma inteligência própria, em diversos aspectos da aptidão humana.

Ler poesia é uma questão de sensibilidade, ou te toca ou não te toca.

Assim como cada pessoa é única, assim é a poética, o que afirmei é que existe uma angústia por parte do escritor em ser entendido de imediato, isto é uma exigência na prosa, no caso da poesia é muito complicado executar um trabalho com a palavra se ficarmos com a preocupação de sermos inteligíveis o tempo todo.

Meu pai é semi-analfabeto e está descobrindo a leitura na velhice, o que me deixa muito feliz, mas ele não entende e nunca entendeu o que escrevo, para minha infelicidade.

Cara Nai, a frase que você colou se refere a uma discussão que tive com um jornalista de minha cidade (Aristides Theodoro), a respeito de um outro poeta amigo nosso (Castelo Hanssen), que escreve de maneira simples e fácil de entender. ( Poesias fáceis às vezes são enganosas, pois o sentido vai muito além dos que as palavras estão dizendo de imediato.)

O que escrevo envolve uma grande elaboração lingüística e do uso da palavra, não é algo necessariamente proposital no sentido que as pessoas não entendam, é que não acredito que o poema tenha que ter um sentido único. No poema o uso da palavra deve transcender o seu significado original, o que pode dificultar uma primeira leitura. Para mim, o leitor tem que se apossar do meu texto e fazê-lo seu, e extrair as próprias sensações dele, o sentido original das palavras deve ficar em segundo plano.

Existem muitos tipos de poesia, algumas mais prosaicas, isto é, presas à um sentido original (textual), que se aproximam da prosa, do romance e da novela, quanto mais poético o texto for, mais ele se afasta deste sentido único (contextual, analógico).

Longe de mim desprezar as pessoas pela sua cultura, não acredito que a cultura acadêmica e livresca seja a mais correta, ela é dominante (lembrando Marcos Bagno), a partir de um país que usou o domínio da palavra escrita como forma de domínio político. Existem pessoas mergulhadas na poesia que sequer juntam duas letras, existem pessoas com faculdade e PHD que são incapazes de entender um poema.

Se pareci preconceituoso, perdoá-me, referi-me as questões ligadas a um problema cultural muito presente em nosso país, o analfabetismo funcional, existem sim pessoas que mesmo letradas não conseguem ler uma conta de luz, não são piores nem melhores que ninguém, mas terão dificuldades em viver em um mundo tecnicista, que cada vez mais exige o conhecimento e sua aquisição pela leitura para se viver nele.

É uma grande sacanagem pinçar uma frase em um texto completo. Fez-me parecer preconceituoso, quando estou falando da poesia e não das pessoas serem incapazes ou não.

Repito que escrevo para safar-me da morte, que nos é tão próxima, é na arte e nas suas obras que um homem busca eternidade. Vivemos em uma transitoriedade neste mundo, neste sentido a poesia é minha religião.

O homem comum tem o domínio do mundo, eu sou infeliz nele. Então, o homem comum é infinitamente superior a mim.





domingo, 14 de março de 2010

Poéticas des-do-bra-das - 12/03/2010 - "Um longo desregramento dos sentidos."

"Um longo desregramento dos sentidos." Rimbaud pelas letras de Beth Brait Alvim



"Foi um bom sarau. Gostei de participar. Beth, você estava carismática. Prossigam. Mais sessões festivas de pré-lançamento de Olhos de Barro de José Geraldo Neres, editora Orfeu, e exibições de outros talentos.
abraços,"
 Claudio Willer




"José, meus amados

Estou aqui no trabalho inter os lagos e mata atlântica do sesc, sábado de sol, poesia no corpo, sangue e alma.Revejo o Percutindo Mundos do Arlequim, 07/2009, da 5a poética da Casa das Rosas, uau, já estava tudo posto, terreiro bento, lindo, o povo...

Refeita, sarada, curada, quase. Preciso de poesia sempre. só. resgate(m)-me.


beijo no coração de todos.

beth
Em 2010 et semper,

Sejamos delicados, éticos, firmes; mesmo cansados, eretos. Mesmo que desanimados, apaixonados. Sejamos belos, pois que humanos.'

Beth Brait Alvim


visitem 
www.bethbraitalvim.blogspot.com"



"celebrar a poesia=dança=corpo=música=miscigenação=povos=vidas-celebrar=per-curtir a vida=diversidade=arte de tempo circular. obrigado pela companhia, neres"
José Geraldo Neres







Todas as fotos - Cecília Camargo

Poemas publicados no poezine - CLOE - Numero 03 - 2009


Fui publicado no fanzine " CLOE - Poezine" de número 03 de 03/07/2009, poemas do meu último livro "De Lembranças & Fórmulas  Mágicas", e algumas palavras do editor, sobre a desconstrução da realidade em meus poemas.
Apesar de meu nome estar grafado errado em mais uma publicação( não sei porque sismam que "camargo" é "carvalho", ora pois Camargo é um lugar e carvalho uma árvore), isto não compromete a bem cuidada edição.


segunda-feira, 8 de março de 2010

Blogagem Coletiva - "100 anos do Dia Internacional da Mulher - Celebrar o quê?"



Todas as Vidas


Cora Coralina




Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...


Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.


Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.


Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.


Vive dentro de mim
a mulher roceira.
- Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos
Seus doze netos.


Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.


Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.


CORALINA, Cora. Todas as Vidas. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São Paulo: Global editora, 1984, p. 45-46 -
Todas as Vidas de Cora Coralina na visão da teórica Hélène Cixous





Blogagem Coletiva '100 anos de Dia Internacional da Mulher - Celebrar o quê?'



Cora Coralina, no poema “Todas as vidas”, encarna muitas mulheres, que poderiam ser tranqüilamente todas as mulheres. Faltaram as profissionais liberais, que à época da construção do poema não estavam ainda em tão evidência, ou que infelizmente por sua posição social e econômica, tem de fazer o papel social de homens, inclusive em sua cota de opressão. Ausentes também estão as mulheres que trabalham na área da saúde, se os médicos homens são maioria, no “chão” dos hospitais, os serviços mais duros, são executados, quase na sua maioria, por mulheres, e não falou das professoras, em especial das primárias, que em sua maioria quase absoluta fazem parte do corpo docente. Mas se olharmos com atenção, veremos de uma forma ou outra todas as mulheres ali representadas. A poeta Cora Coralina perscruta suas almas, e ouve no silêncio que se estabelece, todas as nossas almas. São das mulheres todas as vidas, são as mulheres que cuidam para que se preservem todas as vidas.

Se pensarmos no que se estrutura um país, para seu desenvolvimento, crescimento e sua manutenção, o papel mais importante é relegado às mulheres. E nas sociedades subdesenvolvidas à margem, como em nosso país, entendemos bem o nosso descompasso, quando vemos o quão pouco valorizadas são estas profissões. Vemos nesta situação um grande erro estratégico, quando transferimos para a profissão exercida por mulheres, todo o preconceito e desprezo histórico e histérico pela mulher. Cometemos um suicídio intelectual e físico. Trabalhassem as profissionais pelo que ganham e não pelo que merecem, a coisa não estaria ruim, já teria quebrado em mil pedaços.

A construção da opressão tem um círculo perverso que utiliza os oprimidos como agentes da opressão. É assustador imaginar o que se passa em outros lugares fora da realidade cotidiana dos grandes centros, onde de alguma forma, existe um mínima proteção legal para as mulheres, e ainda ocorrem massacres cotidianos contra suas condições. O que imaginar dos rincões de nosso país, ou lugares dominados pela exploração humana e da intolerância religiosa. Onde impera a dor e o silêncio, violência física e moral, o trabalho mais penoso ainda, os estupros, as mutilações físicas, a igualação com a criação de animais e seu respectivo comércio, a diferenciação da alimentação, onde as meninas não recebem o mesmo alimento que os meninos e são forçadas a trabalhar mais penosamente; ou tudo isso junto, mais o fato que devem permanecerem dóceis, comportadas, em silêncio, com o risco de serem severamente punidas ao menor e insípido sinal de rebeldia.

Por tudo isso que me recordo incessantemente da máxima de Bakunin, que fala que enquanto houver um escravo na terra, todos seremos escravos. A servidão do irmão humano em outro canto do planeta é a nossa servidão também. O mesmo podemos falar da condição da mulher, apesar dos avanços que ocorreram dos anos 1960 para cá, ainda há muito que conquistar, há muito o que romper em nossas psiquês, a opressão está no fundo de nossos subconscientes esperando o momento oportuno de se manifestar. Uma prova cabal disso são nossos xingamentos e ofensas pessoais. Nota-se, não por acaso, que todos os calões, frases feitas e tentativas de inferiorização do outro, envolvem de alguma forma uma condição feminina: o filho sem paternidade, a profissão aviltante, o homem em condição de mulher, sempre é o feminino que carrega a raiva e o ódio de gênero. Quando insultamos, mostramos nossa verdadeira formação e o ódio histórico contra a mulher, e com risco de criar algumas polêmicas, das próprias mulheres. Não consigo ver um único humorista ou comediante que não saia mais cedo ou mais tarde com uma afirmação misógina, me lembro da pérola literária do grupo de humoristas “Casseta & Planeta”, “Mãe é mãe,/ paca é paca,/ mulher; / mulher é tudo vaca.”, esquecendo o autor que sua progenitora também é mulher, e apesar de acreditar-se no senso comum que mães são assexuadas, foi necessária uma relação sexual para que esta concebesse, nega-se à mãe não só a sua condição de mulher, nega-se a esta o fato de poder ter prazer com seu corpo. Creio que devemos deixar as explicações possíveis para isto tudo com os psicanalistas freudianos.

E onde estou querendo chegar: estou pronto a dizer que a opressão contra a mulher também oprime o homem, estamos juntos no mesmo barco, encurralados no mesmo beco, e se não encontrarmos um ponto de alteridade, sempre seremos explorados. O homem enquanto gênero quando oprime a mulher, é também agente da opressão para consigo mesmo. Há um tempo, em um regime opressor, mais cedo ou mais tarde sobra para todo mundo. É certo que o papel mais doloroso está ficando para a mulher, estamos partindo do enfoque sociológico, quem sente na carne a dor física, a privação, a diferenciação salarial, não está necessariamente aberto ao ponto de vista das conjecturas. Mas ao classificar a mulher como gado, esta é boa para isso, essa outra para aquilo, esta ainda para aquilo outro, está limitando potencialidades que usadas plenamente seriam benéficas para todos. É na insatisfação do desejo que operam as forças que realmente ganham com o atual estado de coisas. Criam mulheres ideais e idealizadas, e que não existem; para vender cerveja, ou manter as mulheres infelizes com os próprios corpos, quando a insatisfação sexual não está na ausência da beleza maravilhosa ou do corpo perfeito, mas na abordagem que se faz de sua libido. O melhor do sexo é se tocar de olhos fechados, é sentir o calor do outro, e ter contato com as mentes. O órgão sexual mais importante, ainda é a cérebro dentro da cabeça, e não a cabeça fora do cérebro.

O que me deprime é que em certos aspectos, o machismo dos homens jovens está voltando para o tempo de meus avós. Em uma época de possibilidade de escolhas, se retorna a um momento em que não havia opções, a crença comum tinha supremacia sobre a lógica e a razão. Lembrando Santa Tereza d’Ávila, quando afirma que mercenários é que esperam paga por dia, vivemos em uma realidade mercenária, onde só vale a paga por dia, quando Kant pensou o homem como ser digno, porque não tinha preço para a venda, não imaginou que na pós-modernidade, os seres humanos voluntariamente se colocariam a venda, e por coisas mais fugazes ainda que a sobrevivência. Passamos de primatas a cata de comida, por primatas a cata de bens não duráveis, nossa dignidade talvez valha um celular, computador ou outras quinquilharias eletrônicas. Pior ainda vivemos pela promessa que nunca será cumprida da satisfação total. Somos escravos de nossas escolhas, e em uma sociedade de individualismos extremos e competição acirrada, cabe aos mais fracos e oprimidos históricos o tombo maior. E tudo esquecido o fato que para cada um que chega na reta final, há uma centena de milhar que só olha. Nesta corrida no entanto foram jogados fora como peso a dignidade e a compaixão. São as mulheres que acabam recolhendo nossos restos pelo chão do caminho. O feminino é que poderá salvar-nos de nós mesmos. Descobrir que quando se oprime a mulher, se oprime toda a humanidade.

domingo, 7 de março de 2010

QUANDO CHEGAR







Martha Medeiros

"Quando chegar aos 30
serei uma mulher de verdade
nem Amélia nem ninguém
um belo futuro pela frente
e um pouco mais de calma talvez

e quando chegar aos 50
serei livre, linda e forte
terei gente boa ao lado
saberei um pouco mais do amor
e da vida quem sabe

e quando chegar aos 90
já sem força, sem futuro, sem idade
vou fazer uma festa de prazer
convidar todos que amei
registrar tudo que sei
e morrer de saudade."

Martha Medeiros (Porto Alegre, 20 de agosto de 1961) é uma jornalista e escritora brasileira.

quinta-feira, 4 de março de 2010

International Working Women's Day - Dia Internacional da MULHER Trabalhadora.

Celebrar o que?

Celebrar o suor e a luta de todas que lutaram antes de nós, e a nossa obrigação de continuar esta luta até a vitória. 

Dia Internacional da MULHER Trabalhadora.













VALENTINA KULAGINA
Russian, 1902-1987
"International Working Women's Day is the day of judging of socialist competition"
1930
Lithograph
43¼ x 28½

Blogagem Coletiva '100 anos de Dia Internacional da Mulher - Celebrar o quê?'

Blogagem Coletiva '100 anos de Dia Internacional da Mulher - Celebrar o quê?'

Em 2010, a comemoração do 8 de março como Dia da Mulher completa cem anos. Para celebrar essa data, que este ano é duplamente especial, convidamos a todas/os para participar da blogagem coletiva organizada pelo Alma Rubra.

O tema é: "100 anos de Dia Internacional da Mulher: celebrar o quê?". A proposta é discutir o que aconteceu no dia a dia das mulheres em 100 anos de lutas e conquistas.

Para participar, comente neste post colocando o nome e endereço do seu blog, leve o selo e poste um texto sobre o tema no seu blog no dia 8 de março.

Participe!







Mais informações sobre os 100 anos do Dia da Mulher, indicamos o "Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida" AQUI

OUTRAS PALAVRAS - POÉTICAS DES-DO-BRA-DAS ESPECIAL "MÊS DA MULHER" E "MÊS DA POESIA"

OUTRAS PALAVRAS - POÉTICAS DES-DO-BRA-DAS
ESPECIAL "MÊS DA MULHER" E "MÊS DA POESIA"



Diálogo entre as diversas realidades poéticas. Palavras & trocas artísticas, leituras, performance, intervenção musical, poesia, dança, diálogo afro-caiçara-suburbano. Diálogo multi-linguagem a abordar e desdobrar o corpo, a cidade, os outros corpos, e as outras cidades.

Convidados: Beth Brait Alvim, Claudio Willer, Edson Bueno de Camargo, Henrique Krispim, José Geraldo Neres, Jorge de Barros, Kiusam de Oliveira, Pierina Ballarini (Projeto AURORA), grupo Percutindo Mundos, Rádi Oliveira, Ryck Bastos, e Rodrigo Basan.

Local: CASA DA PALAVRA – ESCOLA LIVRE DE LITERATURA
PRAÇA DO CARMO, 171, CENTRO – SANTO ANDRÉ, SP
TELEFONE: (11) 4992-7218
SEXTA-FEIRA, 12 DE MARÇO DE 2010
A PARTIR DAS 19H00