“...pude comprovar a eficácia da nostalgia como uma forma de suicídio simbólico...” – Marcelo Ariel
Tem momentos e dias em que mergulho em um banzo que não tem mais fim, em uma tristeza besta. Deixo-me submergir em uma nostalgia patológica. Olho as coisas do passado mais recente, e me pego chorando por coisas que nem foram tão importantes assim. Minha filha outro dia me falou que andava chorando até em propaganda de celular. Já algum tempo, chorei copiosamente com o trailer do filme “Olga”, nada mais emblemático que isso. Pareceu-me nossos laivos revolucionários da juventude tão patéticos, diante desta mesmice e mar de mediocridade que virou o pensamento humano. Salvando-se honrosas exceções, a maior parte das pessoas entrou em um processo primata de auto preservação, em que muito pouco importa o poético. Não há tempo para contemplar. Até o amor entrou na agenda com caráter de urgência.
É preciso ressignificar o motivo da existência do ser humano logo, ou cairemos em um marasmo eterno, quando descobrirmos a futilidade dos carrões, roupas de grife, e toda a parafernália que fazem tão felizes os novos ricos, e deixam ouriçados a gentalha dependurada na geral do mundo. Vamos descobrir que é tudo fantasia do carnaval passado, brilhou enquanto estava na avenida.
Mas nem tudo é só o mal. Nostalgia também é a sensação de que os tempos que passaram foram melhores que os atuais, é uma tristeza leve e prazerosa, de lembrar de coisas do passado, que nem sempre aconteceram mesmo. Quase sempre as mentiras são muito mais saborosas que a fruta da verdade. É lembrar da cidade onde nascemos, ou até de um balanço de pneu que havia no quintal dos fundos da casa de nossos avós. Nostalgia é banzo com dengo. Dormir na rede curtindo uma melancolia. É sentir saudades do bonde da Lapa, sem nunca ter tomado este bonde, ou qualquer outro bonde.
Algo assim como cheiro de bolo de fubá e café feito na hora, quando estamos amarrados no meio do trânsito ou a quilômetros de um lugar amigo.
Existe um estudo em que as pessoas lembram de seu passado como uma coisa boa, mesmo os que sofreram privações. Algo como um mecanismo de defesa. Já percebi que isto pode ser uma questão de idade. Quanto mais velhos ficamos, nos tornamos menos auto-críticos e mais condescendentes com nossas mazelas juvenis. Quanto mais o tempo passa, menos enxergamos o que aconteceu, e lembramos do que achamos que aconteceu. Mas não necessariamente. Somos igualmente tolos em qualquer idade. O que quis dizer é, que a perspectiva é outra. Quanto mais distante do fato, nossa percepção fica diferente. Um mal acontecimento se ameniza. Um grande prazer não tem tanta importância. Lembramos mais da dor, porque a dor é mais profunda na pele.
Este presente eterno em que parece que vivemos nos dias de hoje, me perturba e deprime mais que a nostalgia do passado. Mesmo porque o passado da nostalgia é o idílico. Nunca existiu de fato. Como dizia o Tatarana em “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa, "Me lembro de coisas que ainda não aconteceram." No entanto elas estão aí a nos perturbar. Ou por fim, a grande tolice é pensar que estamos certos porque estamos mergulhados na poesia. E como os índios jovens e suicidas do Mato Grosso, talvez queiramos o Paraíso ou Nirvana logo, queiramos um mundo onde não sejamos nós as quimeras. Onde não sejamos quasímodos curvados pela palavra. Loucos queremos que todos sintam a nossa dor, quando na verdade a dor dos outros é que sentimos. A poesia é apenas um jorro desta ferida narcísica que carregamos desde a invenção da lírica e do humano, e cremos que será curada apenas com a pena de morte auto-imposta.
Talvez estejamos escrevendo nosso testamento em cada poema. Cada poema seja uma pequena carta suicida.
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