segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Se morio La Negra.

Fotografía de la cantante argentina Mercedes Sosa perteneciente al disco "Mercedes Sosa", serie "Grandes Artístas" editado en Argentina en 1973.


“Pasan los años,
y cómo cambia lo que yo siento;
lo que ayer era amor
se va volviendo otro sentimiento.
Porque años atrás
tomar tu mano, robarte un beso,
sin forzar un momento
formaban parte de una verdad.

Silvio Rodriguez “



Se morio La Negra, a América Latina fica sem voz. O som que dava pano de fundo aos nossos sonhos adolescentes se apagou. A música que embalava nossas bandeiras não canta mais. Hoje o dia amanheceu mais triste, neste pedaço esquecido de América, que se pensou esperança.


Existem coisas que nunca esquecemos, e a voz de Mercedes Sosa que ouvi no rádio a primeira vez, no programa América do Sol, do poeta e cantor Abílio Manoel, “Mi oficio de cantor es el oficio”, versos que entraram em minha alma como ferro em brasa, que arrancaram meus primeiros versos de uma alma seca. Fiz-me poeta na canção. Nem sabia o que era a vida, de tão jovem, mas sabia queria alguma coisa como aquilo, aquela força poderosa que se apoderava de mim cada vez que ouvia aquela voz. O calor que me subia a espinha e me fazia sentir vivo.


Aprendi a tocar toscamente violão, este que carregava como troféu pelas ruas, sob os olhares desconfiados da polícia, pois para os algozes, a arte era algo muito danoso aos jovens. Além de proletário e estudante, queria ser cantor, e do cantor nasceu o poeta. Bastava-me arrastar dedilhados andinos, canções de América, ouvir Tarancon, Raíces de América, me emocionar até as lágrimas, com “volver a los dezessiete”, cantada por La Negra junto com Milton Nascimento, e meus olhos foram ficando cada vez mais profundos, melancólicos, a me recordar como Amanda as canções de Victor Jara. Aprendi o comunismo de uma forma branda, “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura”, acreditei por muito tempo na esperança, vivi no tempo que se gastou o medo, de tanto usado. Carregávamos nossas bandeiras vermelhas com fé e orgulho, nosso mundo tinha um destino. Nosso amor era coletivo. Mas sonhos morrem também, e embora demore um pouco, a esperança também se finda. E agora vivemos em uma existência onde foi roubado o amanhã. O que resta ao poeta é saber se findável, e ficar esperando a morte. Como diz o poeta José Carlos Brandão, “escrevo porque vou morrer”.


Hoje minha vitrola está quebrada, e sempre adio o seu conserto, meus discos mofam e se envelhecem. Às vezes por absoluto saudosismo procuro no Youtube algumas daquelas canções, e fico chorando sozinho, pois minha companheira ralha comigo quando escuto canções tristes. Meu amigo o poeta Marcelo Ariel disse que a nostalgia é uma forma de suicídio, corroborado por análises psicológicas, e coisa e tal. E penso que viver só do imediato sem a possibilidade de esperança, de um porvir, é tão morte como a morte, que é melhor desviver ouvindo canções tristes, do que ficar solto na corrente que nunca para. Não deveríamos sobreviver à própria morte.


Ontem, dia 05 de outubro morreu Mercedes Sosa, a mulher que tinha o nome de minha avó, que também já morreu. Nossas referências estão envelhecendo, e morrendo, e nós também ficamos irremediavelmente velhos, logo chegará a nossa vez. Vivemos a trajetória do herói trágico, a de vivermos mais que nossos sonhos. E não ficamos sábios. Um dia um amigo meu disse que a esperança venceu o medo, hoje nem mais o medo temos a nos motivar.



Sorte a poesia também viver de amargor.

2 comentários:

José Carlos Brandão disse...

Por que escrevemos?

A essência do poema é a falta de sentido do universo, da palavra, da vida e da morte. O poeta precisa gravar a lápide porque sabe que aquele instante não vai sobreviver. Precisa organizar o mundo para a morte. O êxtase da vida é desorganizado pela morte. Escreve para fixar esse êxtase.

É um servo da incoerência: escreve para falhar. A lápide é gravada: o poema existe, falho e inútil, contra todas as expectativas.

É um sinal de que o homem está vivo.

Por isso escrevemos. Você tem razão, Edson: Contamos os mortos, e continuamos. Choramos Mercedes Sosa, e continuamos. A sua voz envolvente, como nos fez sentimrmo-nos vivos! Somos mais frágeis, mais fracos com cada morte, mas cada morte também nos ensina a esperança. Então erguemos os braços para os céus, certos de que nem tudo pode estar perdido.

Mercedes canta na eternidade. Fique com Deus, Mercedes Sosa.

Leticia Brito disse...

Todo Cambia, mais algo sempre irá permanecer em nós: a nossa essência. Essa que nós faz sonhar, amar, escrever e acreditar. Tudo pode mudar, mais enquanto existir a palavra escrita do poeta, nenhum sonho jamais será finito.
Morre uma grande mulher, fica eternizada em nosso coração uma eterna e doce voz, afinal, o artista nunca morre, apenas vai vier na eternidade.