Na espera para entrar para assistir a peça, um certo deslocamento e uma sensação de hostilidade, a peça apesar de aberta ao público, estava sendo encenada em especial para as formandas em um curso de PLPs, Promotoras Legais Populares, ligadas à Defensoria Pública, para trabalharem como mediadoras em caso de violência à mulher. O tema norteador da peça de teatro apresentada era exatamente a questão da violência contra a mulher e suas implicações e interações com o sistema capitalista. Um auditório lotado de mulheres com todas as razões para terem desconfiança de homens, e eu um dos pouquíssimos homens a assistir a peça. Tive a sensação de que se o público entrasse em catarse, eu seria picado e devorado, mas felizmente isto não ocorreu, e a desconfiança original até que se transmutou em um certa simpatia, não muita, mas alguma.
A apresentação já começa na forma como entramos na platéia, em muitos lugares objetos ditos do cotidiano feminino, escorredores de arroz, mamadeiras, escovas, tábuas de carne e uma infinidade de badulaques, devíamos conservar tais objetos em nossas mãos até o princípio dos trabalhos, que sem percebermos já estava acontecendo, com as atrizes interagindo com o público, solicitando os objetos, que iam sendo incorporados à cena inicial. O tempo todo tudo ocorre dentro de uma metalinguagem explicita, é impossível, em determinados momentos, não estarmos com os olhos em lágrimas, dado a crueza dos relatos, das imagens, dos textos. Uma impressão de engasgo e sufocamento o tempo todo.
“Nada deve parecer impossível de mudar.”
Tenho uma formação humanista, e até onde isto é possível, uma postura feminista, e mesmo assim tive a oportunidade de imergir em minhas raízes geracionais, e perceber o quanto somos criados e programados para repetir certos comportamentos, como certas “piadas” na verdade são alertas para aquelas que estão saindo do comportamento “adequado”.
Enfim, devo falar do primor das atrizes, Fernanda Azevedo, Mônica Rodrigues, da equipe técnica, sonoplastia, ao realizar uma peça de teatro em um auditório bastante inadequado, sem deixar cair a peteca, com seriedade e profissionalismo, com muita interatividade envolvida, como por exemplo o fato da música Luciana Fernandes, introduzir elementos de percussão o tempo todo com um acerto impecável.
A Kiwi Companhia de Teatro existe há 15 anos. Um dos objetivos do grupo é refletir sobre o teatro e a sociedade, abordando criticamente temas da atualidade.
Neste trabalho cênico são utilizadas canções populares, imagens publicitárias, estatísticas sobre a violência contra as mulheres, trechos de romance, entre outros materiais.
Entre os anos de 2010 e 2012 o trabalho foi apresentado mais de 90 vezes em diversas regiões da cidade e do Estado de São Paulo com o apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro e também no Estado do Pará, com apoio do Prêmio Myriam Muniz de circulação de espetáculos, sempre parceria com movimentos feministas e de mulheres e organizações sociais.
Duração: 1h20
Faixa etária: maiores de 14 anos
Direção: Fernando Kinas
Direção musical: Eduardo Contrera
Execução musical: Luciana Fernandes
Assistência de direção e produção: Luiz Nunes
Nenhum comentário:
Postar um comentário