terça-feira, 3 de julho de 2012

Impressões sobre CARNE – PATRIARCADO E CAPITALISMO - da Kiwi Companhia de Teatro






No dia 29 de junho de 2012 (uma sexta-feira), no  Centro de Formação de Professores Miguel Arraes, em Mauá/SP assisti a peça - CARNE – PATRIARCADO E CAPITALISMO - da Kiwi Companhia de Teatro à convite de uma das atrizes, Mônica Rodrigues. Conheci a Mônica em uma das oficinas da Escola Livre de Literatura, época em que ela ministrava  uma oficina em que misturávamos leitura e delírio.  Produzi muito naquele período, muitos poemas, escrevi  um livro de crônicas que se encontra engavetado, efetuado em forma de semanário, relatando aleatória e alegoricamente os acontecimentos presentes, acontecidos  e os não materiais das oficinas.

Na espera para entrar para assistir a peça, um certo deslocamento e uma sensação de hostilidade, a peça apesar de aberta ao público, estava sendo encenada em especial para as formandas em um curso de PLPs, Promotoras Legais Populares, ligadas à Defensoria Pública, para trabalharem como mediadoras em caso de violência à mulher. O tema norteador da peça de teatro apresentada era exatamente a questão da violência contra a mulher  e suas implicações e interações com o sistema capitalista. Um auditório lotado de mulheres com todas as razões para terem desconfiança de homens, e eu um dos pouquíssimos homens a assistir a peça. Tive a sensação de que se o público entrasse em catarse, eu seria picado e devorado, mas felizmente isto não ocorreu, e a desconfiança original até que se transmutou em um certa simpatia, não muita, mas alguma. 

A apresentação já começa na forma como entramos na platéia, em muitos lugares objetos ditos do cotidiano feminino, escorredores de arroz, mamadeiras, escovas, tábuas de carne e uma infinidade de badulaques, devíamos conservar tais objetos em nossas mãos até o princípio dos trabalhos, que sem percebermos já estava acontecendo, com as atrizes interagindo com o público, solicitando os objetos, que iam sendo incorporados à cena inicial.  O tempo todo tudo ocorre dentro de uma metalinguagem explicita,  é impossível, em determinados momentos, não estarmos com os olhos em lágrimas, dado a crueza dos relatos, das imagens, dos textos. Uma impressão de engasgo e sufocamento  o tempo todo.

Acontece  uma interação com imagens projetadas em uma tela, símbolos semióticos, colagens de textos, imagens de guerra, vamos incorporando os personagens, as tragicomédias, os risos nervosos, os absurdos cometidos contra o gênero feminino, e que no entanto, nos são apresentados como normalidades. Lembro em certo momento de Brecht que em um poema nos alerta para desconfiar das coisas que se mostram imutáveis e consolidadas.

“Nada deve parecer impossível de mudar.”

Senti-me suavemente agredido, explico, a peça é uma imersão em nossos preconceitos pessoais e de como a violência contra a mulher está introjetada em nossa cultura. E portanto, também estou profundamente agradecido. Há momentos de profunda revolta e nojo, de como inserções comerciais são reprodutores da violência verbal e institucional contra a mulher. Feminicído, misoginia e outras coisas nos vem o tempo todo na mente. O texto é muito bem montado e percebe-se um fantástico trabalho de pesquisa, percebemos que apesar de vivermos doze anos avançados no século XXI, pesadas obrigações e preconceitos pesam sobre a mulher, e que apesar de muitos avanços, o capitalismo se apodera do patriarcado para repetir os mesmos conceitos do passado.

Tenho uma formação humanista, e até onde isto é possível, uma postura feminista, e mesmo assim tive a oportunidade de imergir em minhas raízes geracionais, e perceber o quanto somos criados e programados para repetir certos comportamentos, como certas “piadas” na verdade são alertas para aquelas que estão saindo do comportamento “adequado”.

Enfim,  devo falar do primor das atrizes, Fernanda Azevedo, Mônica Rodrigues, da equipe técnica, sonoplastia, ao realizar uma peça de teatro em um auditório bastante inadequado, sem deixar cair a peteca, com seriedade e profissionalismo, com muita interatividade envolvida, como por exemplo o fato da música Luciana Fernandes, introduzir elementos de percussão o tempo todo com um acerto impecável.

Como já disse antes, a apresentação se deu em um espaço público de minha cidade, para um público predominantemente feminino (PLP – Promotoras Legais Populares) e acostumadas a lidar com casos de violência contra a mulher diariamente. Havia uma certa animosidade contra os homens, mas até isto foi uma experiência interessante.  No bate bola pós-apresentação, um rico debate, onde até se criou um mal estar muito benéfico quando coloquei que a violência era também uma questão de cultura humana, e tive que explicar o aspecto semântico e teórico de minha colocação.  Gostaria muito de ver alguns amigos intelectuais e escritores, passar por esta experiência, valeria muito para suas carreiras e obras.  Sai da apresentação mais rico e sábio que entrei, sem dúvida. 






ATIVIDADES DO PROJETO
CARNE – PATRIARCADO E CAPITALISMO
Kiwi Companhia de Teatro/Cooperativa Paulista de Teatro

APRESENTAÇÃO DA PEÇA “CARNE” (seguida de debate) em Mauá 

A Kiwi Companhia de Teatro existe há 15 anos. Um dos objetivos do grupo é refletir sobre o teatro e a sociedade, abordando criticamente temas da atualidade.

Carne discute as relações entre patriarcado e capitalismo, mostrando o panorama da opressão de gênero e a situação específica da violência contra as mulheres no Brasil.
Neste trabalho cênico são utilizadas canções populares, imagens publicitárias, estatísticas sobre a violência contra as mulheres, trechos de romance, entre outros materiais.

Entre os anos de 2010 e 2012 o trabalho foi apresentado mais de 90 vezes em diversas regiões da cidade e do Estado de São Paulo com o apoio do Programa Municipal de Fomento ao Teatro e também no Estado do Pará, com apoio do Prêmio Myriam Muniz de circulação de espetáculos, sempre parceria com movimentos feministas e de mulheres e organizações sociais.


Duração: 1h20
Faixa etária: maiores de 14 anos

Direção: Fernando Kinas
Roteiro: Fernanda Azevedo e Fernando Kinas
Elenco: Fernanda Azevedo, Mônica Rodrigues
Direção musical: Eduardo Contrera
Execução musical: Luciana Fernandes
Assistência de direção e produção: Luiz Nunes

Agenda:

Mauá SP
Data e horário: 29 de junho de 2012 (sexta-feira), 19h
Local: Rua Rio Branco. 183, Centro de Formação de Professores Miguel Arraes, Mauá/SP

TODAS AS ATIVIDADES SÃO GRATUITAS.

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