quarta-feira, 17 de março de 2010

A poesia deve sempre ser acessível?




"Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras" Clarice Lispector


De vez em quando alguma coisa que escrevemos, inadvertidamente, acaba gerando mal-entendidos e constrangimentos, nem sempre nos damos conta da extensão do que escrevemos e até onde isto pode chegar. Ao usar a expressão “pessoa comum” acabei por gerar uma “saia justa” para mim e uma discussão interessante em uma comunidade que participo na rede social Orkut, que acreditem se quiser, entre um “miguxo” e outro, travam-se sérios debates literários e até filosóficos. O debate que transcrevo à seguir se deu na comunidade do orkut “Vamos escrever um livro?”. Para mim se tornou pertinente aos assuntos abordados em meus “Inventários”.

A frase que gerou o debate foi a seguinte:

"Um amigo me questionou se a pessoa simples e comum conseguiria ler minha poesia que é muito complexa, ao que respondi, a pessoa comum não consegue ler sua conta de luz, quanto mais um poema.

Não acredito que devo ter esta angustia, escrevo para me safar da morte, mostro às pessoas como uma forma de exorcismo. "

Nesta frase, para mim ficou bem nítido que as pessoas comuns estão mergulhadas no cotidiano, sem olhos para ver a poesia, sendo que muitas destas pessoas estão em um estágio de analfabetismo funcional, o que as impede de ler e entender coisas banais, mas isto foi o que eu pensei. Mais de seis meses depois de ter escrito isso, e esquecido por completo como sempre (é por isso que escrevo), quando o tópico já havia “esfriado” e quase desaparecido no mar de outros tópicos da comunidade, a internauta Nai Santos e membro da comunidade coloca o seguinte “post” com sua justa indignação.

“Edson
O que é para você uma pessoa comum? Você não estaria subestimando o leitor?
Considero-me uma pessoa comum e sempre gostei de poesia. A capacidade do homem não está nos estudos acadêmicos e sim nas experiências adquiridas com as suas vivências. O meu pai aprendeu a ler depois que se casou com minha mãe por insistência dela. Nunca freqüentou uma escola, após ter aprendido ler se tornou um amante de Manoel Bandeira e Drummond, do meu pai herdei o prazer de ler poesias. Devemos evitar os preconceitos! “ Nai Santos

- Ao que respondi -

Não me lembro de ter usado a expressão "pessoa comum", o que digo é que as pessoas estão por demais presas ao seu cotidiano para apreciar a poesia. Estamos engolfados em um meio onde a praticidade e a utilidade imediata são os valores maiores.

O ser humano tem uma capacidade muito além do que usa, há pessoa tocadas pelo poético independente de sua formação acadêmica, e vou mais longe, creio que a formação escolar às vezes atrapalha.

Uma pessoa gostar de poesia não é norma, faça uma pesquisa simples em seu meio. Fico feliz quando ouço relatos de pessoas que tem este contato, dei oficinas de criação literária e lidei com pessoas em todos os níveis educacionais e condições sociais, todas movidas pelo amor à poesia; mas estas pessoas não são "comuns", elas são especiais, se distinguem da maioria que vivem mergulhadas na ordem. Só o amor ao caos nos torna poetas.

Não distingo as pessoas pelas que gostam de poesia, pelas que não, mas sou muito mais perigoso que o preconceituoso, o preconceituoso tem uma fórmula que aplica a todos e para explicar o mundo, eu acredito que a poesia funciona para quem tem a mente aberta à poesia, e não tenho uma explicação científica para isso. Portanto não sou preconceituoso, sou elitista.

A poesia é para os tocados, e estes são poucos.

- Minha resposta foi pouco cortês, e não tardou o retruque -

“Oi Edson
Vou copiar e colar o seu texto para refrescar a sua memória:” Nai Santos

"Um amigo me questionou se a pessoa "simples e comum" conseguiria ler minha poesia que é muito complexa, ao que respondi, a pessoa comum não consegue ler sua conta de luz, quanto mais um poema".

- Neste momento esqueci a preguiça e li todos os “posts” anteriores, para realmente dar uma resposta mais adequada e menos enviesada-

Talvez tenha usado o termo errado, quis me referir ao analfabetismo funcional nesta frase, é complicado falar nestes termos sem que se acabe por ofender alguém, se usasse “pessoa ordinária”, por exemplo, que é em bom português, nos termos de dicionário: uma pessoa como outra qualquer, sem qualquer conotação pejorativa, mas acaba tendo. Eu sou uma pessoa ordinária, não tenho nada que me distinga dos outros, sou uma pessoa comum no meio da multidão.

Quando me referi à pessoa comum, termo inadequado, me referi à minha experiência como educador, em nosso país temos pessoas que estão à margem da leitura mais profunda por serem analfabetas funcionais. E que fique bem claro, o problema está em adquirir conhecimento através da leitura, de maneira alguma podemos desprezar o conhecimento de vida e a vivência de experiência destas pessoas. Também não é uma questão de inteligência, Gardner, em seus experimentos prova que cada pessoa carrega uma inteligência própria, em diversos aspectos da aptidão humana.

Ler poesia é uma questão de sensibilidade, ou te toca ou não te toca.

Assim como cada pessoa é única, assim é a poética, o que afirmei é que existe uma angústia por parte do escritor em ser entendido de imediato, isto é uma exigência na prosa, no caso da poesia é muito complicado executar um trabalho com a palavra se ficarmos com a preocupação de sermos inteligíveis o tempo todo.

Meu pai é semi-analfabeto e está descobrindo a leitura na velhice, o que me deixa muito feliz, mas ele não entende e nunca entendeu o que escrevo, para minha infelicidade.

Cara Nai, a frase que você colou se refere a uma discussão que tive com um jornalista de minha cidade (Aristides Theodoro), a respeito de um outro poeta amigo nosso (Castelo Hanssen), que escreve de maneira simples e fácil de entender. ( Poesias fáceis às vezes são enganosas, pois o sentido vai muito além dos que as palavras estão dizendo de imediato.)

O que escrevo envolve uma grande elaboração lingüística e do uso da palavra, não é algo necessariamente proposital no sentido que as pessoas não entendam, é que não acredito que o poema tenha que ter um sentido único. No poema o uso da palavra deve transcender o seu significado original, o que pode dificultar uma primeira leitura. Para mim, o leitor tem que se apossar do meu texto e fazê-lo seu, e extrair as próprias sensações dele, o sentido original das palavras deve ficar em segundo plano.

Existem muitos tipos de poesia, algumas mais prosaicas, isto é, presas à um sentido original (textual), que se aproximam da prosa, do romance e da novela, quanto mais poético o texto for, mais ele se afasta deste sentido único (contextual, analógico).

Longe de mim desprezar as pessoas pela sua cultura, não acredito que a cultura acadêmica e livresca seja a mais correta, ela é dominante (lembrando Marcos Bagno), a partir de um país que usou o domínio da palavra escrita como forma de domínio político. Existem pessoas mergulhadas na poesia que sequer juntam duas letras, existem pessoas com faculdade e PHD que são incapazes de entender um poema.

Se pareci preconceituoso, perdoá-me, referi-me as questões ligadas a um problema cultural muito presente em nosso país, o analfabetismo funcional, existem sim pessoas que mesmo letradas não conseguem ler uma conta de luz, não são piores nem melhores que ninguém, mas terão dificuldades em viver em um mundo tecnicista, que cada vez mais exige o conhecimento e sua aquisição pela leitura para se viver nele.

É uma grande sacanagem pinçar uma frase em um texto completo. Fez-me parecer preconceituoso, quando estou falando da poesia e não das pessoas serem incapazes ou não.

Repito que escrevo para safar-me da morte, que nos é tão próxima, é na arte e nas suas obras que um homem busca eternidade. Vivemos em uma transitoriedade neste mundo, neste sentido a poesia é minha religião.

O homem comum tem o domínio do mundo, eu sou infeliz nele. Então, o homem comum é infinitamente superior a mim.





16 comentários:

Cláudio Willer disse...

tempos atrás (décadas atrás, melhor dizendo), tive as seguintes experiências, com intervalo de poucos dias:

1. alunos de supletivo de primeiro grau noturno de Taguatinga – ou seja, legítimos candangos – auditório lotado, apreciaram minhas leituras de poemas – eu, o supostamente “hermético” – e, principalmente, fizeram perguntas inteligentes, pertinentes;

2. alunos de uma turma de pós-graduação em comunicação e semiótica na PUC, mesma leitura de poemas e esclarecimentos, e nada, ficaram me olhando, até que uma das alunas rompeu o silêncio: “mas o que você quer dizer com isso...?”

portanto, tudo é relativo. pessoas comuns entendem certas coisas melhor que alguns críticos....

abraxas,



Claudio Willer

cjwiller@uol.com.br

Andrade Jorge disse...

Li atentamente, e olha foi uma aula e tanto. Parabéns

Andrade Jorge

Deise Assumpção disse...

Oi, Edson:

Engraçado, assim que comecei a ler a transcrição da discussão, sem saber do resto, esbarrei justamente em "pessoa simples e comum". Bateu de cara pra mim que não estava bem colocada a expressão para o que eu sei que se queria dizer. A expressão, se foi usada em primeira mão pelo questionador, Aristides Theodoro, não teria importância, dependendo do conserto que você fizesse no seu falar. É o que você mesmo disse, precisamos ter cuidado com a linguagem, não se pode dar margem a dupla interpretação em certos casos (não poéticos, logicamente), as palavras têm que ser ajustadas especificamente e apropriadamente para o enfoque a que se destinam. Ainda mais em se tratando de linguagem escrita, pois na trato oral (credo, que expressão estranha usei agora, parece aparelho digestivo) ... então, retomando... pois na linguagem oral, em que há proximidade entre emissor e receptor, resolvem-se as pendências na hora, ou a própria entonação e os próprios gestos dão conta do recado.
Bem, é uma boa discussão para nossos encontros.

Nai Santos disse...

Que bom Edson que foi desfeito o mal entendido, mas convenhamos que a maneira como você postou deu margem a minha interpretação, o que foi muito bom, afinal só assim tivemos a oportunidade de abranger a discussão sobre esse tema.
Um grande abraço!

Edson Bueno de Camargo disse...

É muito agradável quando um debate tem esta dimensão. Ficou muito nítido que ao transcrever um diálogo, temos que ter o cuidado de observar as nuances que existem entre a oralidade e a palavra escrita.

Quanto a acessibilidade do poema estou com o Mestre e agora Doutor por que não, Cláudio Willer.

Luiza Maciel Nogueira disse...

Muito bom, mais importante que apreciar a poesia das palavras 'e apreciar a poesia da vida :)!

Beijos

Edson Bueno de Camargo disse...

Mas a vida também não se compõe de palavras? Seria o viver, uma poesia?

Jac disse...

Recebi seus e-mails agora, Edson!!!

Li e, ao final, só continuei não gostando da sua visão elitista. Eu acredito que a poesia é e deve ser para todos, sim. Cada um descobre sua poesia, o que é poesia para si, e pode estar em lugares diferentes, em fases de vida diferentes, de modos diferentes... enfim, absolutamente não consigo concordar com qualquer visão elitista, ainda mais da poesia!!!

Edson Bueno de Camargo disse...

Também acredito que a poesia deveria ser para todos, mas nem todos são atingidos pela poesia.
Acredito que tudo começa por uma leitura de mundo, que todos tem em algum nível, e isto é independente da leitura.
Para mim a poesia é uma forma de transcender, não creio que haja espaço na mente de pessoas mergulhadas na pura sobrevivência, ou no controle extremo do poder para a poesia.
é uma realidade triste. Desejaria que fosse diferente.

Jac disse...

Continuo não concordando. As pessoas podem ter formas diferentes de entrar em contato com a poesia, de serem tocadas por uma ou outra coisa, em momentos inesperados e talvez, (porque não?!), mesmo naqueles em que estão(amos) mergulhados na pura sobrevivência (todos temos esses momentos, também. Às vezes é necessário e inevitável).

Edson Bueno de Camargo disse...

Zeus te ouça, Apolo abençoá, Dionísio concorde, e Exu permita que tudo aconteça.

Penso que falamos a mesma coisa, e cada um veja por um ângulo.

Tente esquecer a palavra elitista por um momento e ler tudo o que escrevi.

Edson Bueno de Camargo disse...

Sinto me no direito de recusar comentários anônimos. Fale o que falar, críticas mesmo infundadas, ponha seu nome, eu publico, sem nome apago.

Jac disse...

Acho que a diferença é que acho que qualquer pessoa pode sim ser tocada por isso, Edson. Acho que é só nisso que discordamos...
Eu não disse que não gostei do seu texto. Só disse que neste aspecto discordo!!!

Edson Bueno de Camargo disse...

Talvez meu julgamento seja afetado por meu pessimismo, ao mesmo tempo seria hipócrita da minha parte ter uma outra visão.

Acredito que pessoas possam viver no mesmo mundo mesmo discordando umas das outras, de outro modo o mundo seria uma chatice sem fim, e podem fazê-loem perfeita tolerância e harmonia, talvez eu seja um tolo em pensar assim, mas é como veja.

Jac, em minha juventude imaginava um mundo perfeito onde a poesia e a arte a todos alcançasse, mas todos tem suas prioridades, isto não faz ninguém bom ou mau, faz deles pessoas normais, trabalho sempre com a possibilidade que o errado seja eu.

Já parei de escrever muitas vezes, mas não consigo viver sem isso, fazer o que. É desta poesia torta que se alimenta minha alma, se não tiver leitores, fazer o que?

Jac disse...

Sim, acredito que eu esteja discordando de você desta forma, justamente...

Não me acho tão ingênua a ponto de imaginar um mundo perfeito em que todos sejam tocados pela poesia e pela arte. Só estou dizendo que as pessoas podem ter seus momentos poéticos e serem tocadas por coisas diferentes; não cabe a mim julgar se é mais ou menos poética essa possível experiência que o contato com um poema escrito.
E acho também que não é questão de ser "errado", mesmo porque acho que "certo" e "errado" não existem...

Edson Bueno de Camargo disse...

o assunto está rendendo. Crônica do poeta José Carlos brandão.

http://poesiacronica.blogspot.com/2010/03/maior-tragedia-do-poeta.html