domingo, 4 de abril de 2010
Entrevista cedida por Edson Bueno de Camargo ao poeta Marcelo Ariel.
Entrevista cedida por Edson Bueno de Camargo ao poeta Marcelo Ariel, para seu blog e a Revista Pausa. Ainda inédita.
1-) O que a poesia significa para você e qual seria a função social da poesia?
Poemas são pequenas cartas suicidas, escrevo para continuar vivo, ou melhor, para me sentir realmente vivo. Esta existência da sobrevivência não me atrai, se vivesse só por viver teria deixado a vida se exaurir em mim. Devemos, na medida que pudermos, viver pela arte, pelo belo, a minha arte é a poesia.
A função social da poesia, se é que ela tem uma, é dividir o belo com os outros, é tentar na medida de nossas limitações estéticas e éticas ajudar as pessoas a aprenderem e apreenderem o belo. (Olhe bem, o belo na arte é uma condição narcísica muito longe desta pasteurização a que nos impõe os meios de comunicação de massa das grandes corporações.) O poeta tem o destino dos heróis trágicos, deve se imolar pela comunidade que o cerca, mas passa pelo inconveniente de passar em branco, quase por uma invisibilidade. Temos a sina de Cassandra, a irmã de Paris de Tróia, predizemos o futuro e as coisas, mas ninguém acreditará nelas.
2-) Fale um pouco sobre a sua trajetória e sobre a gênese dos seus poemas?
Escrevo desde muito jovem, sou muito prolixo, mas considero que comecei a “pegar” esta questão de ter um compromisso e seriedade com a poesia meio tardiamente. Foi a partir de uma oficina em minha cidade, Mauá-SP, a Oficina Aberta da Palavra, que me deparei com a necessidade de dar um tratamento estético ao que produzia. Depois em uma oficina com o poeta Cláudio Willer, na Casa da Palavra, em Santo André, cidade vizinha à minha, foi que tive contato com alguma teoria à respeito do assunto. A produção do poema vai ser sempre uma luta entre o sentido e a forma. Dar significado e ao mesmo tempo não perder de vista que a arte deve buscar o novo.
Daí para frente foi surgindo um necessidade incontrolável de ser lido. De ter pelo menos leitores críticos. Comecei a disseminar minha produção aos quatro cantos do planeta, utilizei e utilizo muito da Internet como meio de divulgação, participo de saraus e de todo o tipo de atividade que envolva literatura e possa conhecer pessoas que também façam poesia e gostem de poesia. Participei também de alguns concursos literários e obtive algumas premiações. Acima de tudo tenho conhecido pessoas, que como eu não se satisfazem com um pouco de ração, um canto para dormir e outros confortos domésticos. Pessoas que lidam com a poesia em geral são meio selvagens, com pouca afinidade para com a domesticação. Por isso são pessoas perigosas para a sociedade.
Tenho o hábito de carregar um pequeno caderno, uma vez que minha memória não é muito boa, e neste anotar insights e versos que me vem a cabeça, sou também um voyeur incorrigível e fico perscrutando as pessoas e suas falas. Existe um momento que este material todo anotado começa a me incomodar, dai sento diante do computador e passo a limpo tudo isso. Nestes momentos nascem os poemas, alguns vêm prontos, outros demoram mais, outros nunca se materializam. E claro leio muito, e de tudo, gosto muito de cultura pop, HQs, animes, filosofia, poetas malditos, blogs da garotada que está na luta agora, muita poesia. Irrita-me quando pego pela frente um cidadão que diz que não lê outros poetas para não “influenciar” sua obra, toda a literatura é intertextual em sua natureza, assim como a arte. Estamos sempre reescrevendo a poesia. Temos um dívida com todos que escreveram antes de nós, e os reescrevemos em nossa escrita. Ter um estilo “próprio” deve significar se não o domínio, a tentativa de dominar aquilo que nos precedeu. Dentro da contemporaneidade não existe espaço para divas e “prima-donas”.
3-) Na sua opinião, qual é o atual panorama da literatura no Brasil e no mundo, como você vê a situação do livro e do escritor e em especial a do livro de poesia?
Possuo uma angústia muito grande ao reconhecer que não serei capaz de ler e conhecer tudo o que preciso e quero. A cada dia que passa descubro algo ou alguém novo que me passou despercebido ou que não está exposto o suficiente para que o leiamos. Tenho a limitação da língua, por razões misteriosas não consigo ir além do português, embora adore leituras que permitam o contato da obra original junto com a tradução, pois muito da poesia está no som.
Não tenho uma leitura muito crítica em relação a um panorama da literatura, no Brasil ou no mundo, mas vivemos em uma situação de efemeridade da existência humana, ou tentam nos passar esta visão. A literatura não tem nada a haver com isso, a arte como um todo é nossa tentativa de vencer o tempo e a mortalidade. Vivemos em um período em que a informação é controlada pelos meios de comunicação de massa e por conseqüência muito rasa, não há uma tentativa de se aprofundar os conteúdos. Mas se pensarmos bem, em que período da história isto não ocorreu de uma certa forma? A Igreja do passado e seu “índice proibido” já era uma forma de manter o conhecimento sob controle.
O formato livro é uma coisa muito recente historicamente, a imprensa de tipos móveis foi uma revolução muito maior que a que temos hoje com a Internet, possuir muitos livros, ou ter a possibilidade de lê-los, é uma forma de hiper-conectividade além das fronteiras psicológicas da mente. É essencial que continuemos a produzir livros, eles tem o dom de atravessar fronteiras, de passar de mão em mão, de chegar a lugares que nem podemos imaginar. Livros de poesia são pequenas possibilidades de revolução, quando o mundo diz pare, a poesia fala corra, quando o mundo diz corra, a poesia pára. Agora se alguém pretende ganhar dinheiro com livros de poesia, é uma outra história mais complicada.
4-) O que é a vida para você?
A vida para mim é um grande incômodo. Existir carece de sentido, e sou racional demais, então ao tentar racionalizar algo que não faz o maior sentido, me angustio muito. Não trago em mim nenhuma esperança, mas ao mesmo tempo, como já disse ao poeta Zhô Bertolini, a poesia me denuncia. A poesia pode ser o apocalipse e o cataclismo, mas também a hecatombe, não é salvacionista, mas poderá nos salvar de nós mesmos.
5-) E a Alma?
A Alma é uma coisa vaga, como o Amor.
6-) Cite alguns autores que foram e são importantes para você e por que?
Foram muitas influências, e que estão ocorrendo o tempo todo. Nos meus primeiros versos um poeta quase naïf chamado Castelo Hanssen; Cláudio Willer nas oficinas da Casa da Palavra de Santo André, principalmente por não ter sido condescendente com meu texto, colocando o que precisava ser colocado no momento certo e apresentando os poetas surrealistas para mim, em especial, Mario Cezariny e Herberto Helder. O poema “O amor em visita” de Herberto Helder foi um divisor de águas em minha poesia. Não posso deixar de citar Mario Quintana, nem tanto na forma, mas na alma. Cecília Meireles, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, e uma infinidade de nomes aos quais não estou fazendo justiça. Leio muito a garotada que está chegando, muitos blogues e revistas na Internet. Na minha opinião a poesia nunca está completa ou acabada, é um processo, e as possibilidades de influência são infinitas, como já disse antes acredito que a literatura é intertextual.
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3 comentários:
Bela entrevista Edsom Bueno de C, para acho que foi a melhor em termos de respostas. Eu faria ainda algumas perguntas , claro que como um bom aprendiz, para colher um pouco mais sobre sua exência no escrever...
Abraços Mestre.
Gerber de Sá
Edson Hermano...
Não mais inédita...acabo de postar a entrevista
me desculpe a demora,problemas com arquivos de internet...
Um abraço-blue
Acontece.
Meios eletrônicos são muito fluidos, por isso a tecnologia do papel, mesmo que milenar, ainda tem bastante fôlego.
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