quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Do laicismo e outras coisas
Idade Mérdia
@LitaRee_real - Rita Lee - Lamentável o PT e o PSDB se dobrarem às pressões dos "religiosos" e condenarem o aborto p/ ñ perder votos. O Brasil está na Idade Mérdia(sic)
Fonte Twitter.
Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si
Constituição Federal - CF - 1988
Gostaria de ficar confortavelmente em uma posição de neutralidade, que como artista e escritor não deveria me imiscuir de assuntos mundanos. Se assim o fizesse incorreria em uma grande hipocrisia, o poeta como diz Elias Canetti, é o cão de seu tempo, não é possível passar como pessoa em branco pelo mundo. Não precisamos ser justos nem nobres, muitos não foram, uns até vilões, mas não podemos fingir que o que acontece ao nosso redor não nos afeta, e o contrário também vale, nossa ação ou inércia também afeta as pessoas e as coisa ao nosso redor. Não temos precisão de ter um lado, mas não tomar partido é tomar partido do mais forte sempre.
Nossa obra pode, se formos bons o suficiente, tornar-se atemporal, nós como pessoas não, nascemos e morremos presos à nosso tempo.
Nestas eleições tem se visto e ouvido coisas assustadoras sobre este ou aquele candidato, não vou entrar no mérito da questão de nomes, cores partidárias ou minha preferência, mesmo o que é verdade ou mentira, isto não é relevante, pois o que me assusta é a demonização deste ou de outro por coisas que a meu ver não deveriam sequer ser discutidas em um pleito, por serem direitos de fato à luz da Constituição. Para dizer mais especificamente: a descriminalização do aborto, a liberação legal do aborto, o direito da mulher à seu corpo, os direitos dos homossexuais, em especial a união civil de pessoas do mesmo sexo e de todos os direitos civis que lhe são negados a partir desta plataforma, a descriminalização de drogas leves, o combate a homofobia, e a liberdade religiosa de não cristãos, que vão ai desde religiões mais tradicionais, passando por panteístas, religiões de matriz afro e animistas e até ateus.
O que assusta é que passados muitos poucos anos da mudança da Igreja Católica pelo Concílio Vaticano II, quando assuntos religiosos se separaram da secularização, vemos um revivalismo de verdadeiros autos de fé, com o uso massivo da mídia e ferramentas da Internet. É uma contradição gritante ver uma ferramenta de alta-tecnologia à serviço da desinformação e do obscurantismo. Agora, além de padres retrógrados, temos tele-evangelistas, inimigos figadais juntos e aliados em uma causa nefanda, a de impor suas convicções aos outros, contra a vontade, e de tornar Lei o que é credo. Temo que estas criaturas aliadas ao poder e candidatos, que com medo de perder votos fazem-lhes concessões, vão entrar de novo em nossas casas para ditar o que devemos fazer.
Quando o limite saudável que deve existir entre Estado e religião se rompe, temos o perigo de se inverter o processo de laicizacão do Estado, para a criação de um estado teocrático, que é a pior e mais funesta ditadura. Não podemos esquecer nunca que os autos de fé resultaram na morte de milhões de pessoas inocentes, e que os religiosos tradicionais, principalmente setores conservadores da Igreja Católica, apoiou os regimes fascistas da Europa e América e o neo-caudilhismo latino americano a partir dos anos sessenta, todas as ditaduras militares do Sul foram regadas a água benta.
Há um Brasil que vive ressentido desde o fim da escravidão, de pessoas que acreditam firmemente que existe diferenças entre seres humanos, e que isto é plenamente justificável. Há pessoas que ainda não se aperceberam da mudança que o mundo sofreu a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, declarada ainda nas lembranças dos horrores que a intolerância provocou na Segunda Guerra Mundial, e que foi necessário mobilizar o mundo todo para terminá-los. E por fim há aproveitadores que se valem da fé das pessoas mais simples para enriquecerem de forma indecente, que precisam justificar sua riqueza e seu exibicionismo novo rico de alguma maneira. E que modo melhor se não atacar minorias que, já de um certo modo, são alvo de preconceito e intolerância. Por que não usar o mal que já existe para perpetrar mais ainda o mal? Estas pessoas por sua capacidade de manipulação estão mais poderosas do que nunca, pois com uma campanha difamatória e bem articulada influenciaram o resultado de uma importante eleição. Seu poder cresce à medida que os dois candidatos do segundo turno rastejam em busca dos votos que estes representam.
Eu não sou a Regina Duarte, mas tenho medo do país que pode surgir a partir destas pessoas sentadas ao lado do trono do poder.
Sou apóstata, agnóstico, flerto com as religiões africanas, livre pensante, defensor de um Estado laico e republicano, declaradamente defensor dos direitos dos homossexuais e da legalização do aborto, sou obeso e fora da matriz corporal ditada pela mídia, e não quero que digam o que devo pensar ou fazer. O que será de nós?
Quando à poesia não se preocupem, o tempo não a afeta como às outras coisas, ela sobreviverá a tudo isso e a nós.
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