terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Das bananas

 
 
Das bananas



Depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, Elias Canetti escreve um ensaio onde esmiúça a palavra poeta, a partir de uma frase escrita e deixada em um local até cair nas mãos do escritor – “Fosse eu realmente um poeta, teria necessariamente podido impedir a guerra" – primeiramente indignado com tamanha pretensão, vício dos poetas, Canetti tenta em seu ensaio encontrar uma função social para a poesia para além da estética e da arte pela arte. Como se os que costuram as palavras possam realmente mudar o mundo de seu entorno. Canetti chega à conclusão que o poeta é uma espécie de bode expiatório, que puxa para si a dor dos homens e do mundo, para que possa devolvê-la de forma que as pessoas possam sentir de fato a dor que sentem. A poesia é necessária para que desenvolvamos o sentido da compaixão, a de sentir a dor do outro como se fosse nossa.

Se pensarmos bem, de fato, as coisas acontecem e se materializam através das palavras, são palavras que dão o mote das coisas, são com palavras que se escrevem os projetos e os programas de governo, são com palavras que confessamos nosso amor, e pelas palavras teremos filhos e com palavras falaremos aos mesmos que os amamos.

Existe também a possibilidade do gesto simbólico, quando nos comunicamos não por palavras mas por ações, mesmo que pequenas e imperceptíveis para nós mesmos. Creio que foi o que aconteceu no caso do deslizamento do talude do Morro do Macuco, quando a Prefeitura de Mauá mandou uma caixa de bananas meio vazia para os desabrigados. Este gesto, sem palavras, exprimiu um monte de idéias e frases inconscientes. Macuco é uma das formas de falar macaco, ao enviar bananas talvez neste gesto haja uma mensagem subliminar (espero que não).

Mas o que mais senti de fato é a falta de sensibilidade dos homens (e mulheres, infelizmente) do poder público para com a situação das pessoas. Mais e mais a vida republicana fica pragmática, a aceitar que as desgraças são uma espécie de preço a pagar pelo progresso, e que deve se passar por cima destes “episódios” em função do “bem maior”. É certo que as pessoas que vivem nestes locais perigosos tem consciência do risco que correm, mas também é certo que muitos foram empurrados para estes locais pelo capitalismo selvagem que se instalou em nosso país. Há uma crença geral que os desvalidos são culpados de sua situação, doutrina que sai dos porões dos partidos conservadores, para ocupar as páginas da grande imprensa, a mídia nos leva a crer que os pobres são os culpados pelos pobres.

Dói mais quando este gesto parte de uma prefeitura administrada pelo Partido dos Trabalhadores, que em sua origem, esteve nestes mesmos locais com os pés atolados na lama, reivindicando as melhorias que hoje não são realizadas. Um Partido que surgiu para ser diferente dos demais, e que vem sofrendo um processo de deformação, de entristecimento, de ampliação das visões gerais em detrimento do pequeno, do sensível, das pessoas. Do domínio dos tecnocratas, que não conhecem a compaixão, que se acomodaram no poder e não tem espaço para as pequenas pretensões das pessoas que moram dependuradas. “O poder emburrece”, afirmava o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, e mais recentemente os estudos do historiador e economista italiano Carlo Cipolla. Penso que mais do que isso, cria um espaço sanitário e higiênico em relação ao mundo que cerca os que fazem o exercício do poder. Todos nós temos um ditador a postos no interior de nossa consciência, pronto para tomá-la. A partir daí construímos o muro que nos impedirá de sentir a dor do outro. O exercício da compaixão é para os fracos, os que não tem poder.

Tenho que fazer um mea culpa, pois uma boa parte de minha vida, em especial da juventude, dediquei à construção do Partido dos Trabalhadores, e na minha ingenuidade, carreguei nos ombros as pessoas que hoje o dominam pragmaticamente. Acreditei que meu sonho socialista de um mundo melhor era suficiente. Como uma vez me disse a filósofa Olgária Matos, fazíamos a política do sonho, quixotesca, não nos preocupamos em fazer nossa vida, arrumar nossa cama, pois as coisas se solucionariam anarquicamente à medida que tomássemos o poder. Algumas pessoas mais argutas resolveram isto na vida republicana, eu, velho dinossauro em extinção, não. Mas isso é outra longa discussão.

Voltando ao morro do Macuco e ao Elias Canetti, lembrei de um pensador sombrio que disse que a persistência do erro era sabotagem. O dono desta expressão foi Stalin, pessoa que venerei boa parte de minha vida, e alguns bons companheiros hoje aboletados no poder também.

Não consigo acreditar que o poder público de minha cidade, Mauá, SP, queira desejar bananas aos que perderam suas casas e entes queridos, mas pior que isto, não são mais capazes de distinguir se o fazem, tamanho afastamento da realidade que vivem. Por isso erram tanto, por isso não corrigem sua rota de colisão.

Pior que deselegantes e negligentes. São omissos e nem se apercebem.

E como poeta não tenho sido melhor do que eles. (Perdi há muito minha pretensão de impedir ou impelir as coisas pelas palavras.)

2 comentários:

Chris Clown Oliveira disse...

Sofro pela minha cidade ser notícia mais um vez como sempre...
Mauá está virando planície graças aos anos de descaso que se sucederam e não findaram.


Aos Banais as Bananas dos Bossais



O céu interrompeu o baile das estrelas

Para cumprir seu papel de pai-criador

E quando do céu desceu suas centelhas

De água amarga, misto de sangue e dor



A terra se descarrilou sobre os ombros

Da própria terra que nem ombros tem

Quem sustenta nos olhos os velhos sonhos

Não sabe o risco, perigo que isto provém



Corpos amontoados sobre corpos de lama

Que não deitam, mas sofrem sob a sua cama

Coberta do frio gelado do coração dos homens



Que na busca por dignidade e conforto

Nos deixam traumatizados, tristes e absortos

Porque sabemos que eles nunca mais terão nomes



Chris Clown Oliveira



Está aí minha nota Edson...

Edson Bueno de Camargo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=P-3uDRIv60Q