quarta-feira, 27 de abril de 2011

“Flores No Pote” de António Souza. (algumas palavras sobre)




“Flores No Pote” de António Souza.

                                                                   Por Edson Bueno de Camargo.


Quando li o livro “Flores No Pote“, imediatamente me senti novamente uma criança, de pé no chão, zanzando em ruas de terra, como se tivesse retomado a minha inocência. Mergulhei em estranha melancolia. Ao mesmo tempo não era uma sensação ruim, era uma saudade, como uma cicatriz de uma grande dor, mas que já se curou, no entanto, permanece ali gritando sua presença.

       António Souza ao falar de sua experiência pessoal, em forma de belíssimas imagens poéticas, misturando poesia e prosa poética, cria um imaginário, que se num momento é muito próprio e original, também é plenamente adaptável a muitas infâncias, perdidas e encontradas neste Brasil afora, muitas sem perspectiva de vida, mas todas um grande potencial a se insurgir contra qualquer determinismo ou darwinismo social. Há uma legião de toins, tonins e tantos outros, meninos de calças curtas, roupas rotas, embornais  carregados de tesouros vãos: pião velho, fieira de barbante, bolinha de gude, estilingue, canivete velho e mais sabe se lá uma parafernália que propicia a manutenção da meninice, ou nada disso, ou de mãos limpas e plenas simultaneamente. Pedaço de pau, chifre de boi, latinha de massa de tomate, também estes de grande valor.

        É uma nostalgia engraçada, cheia de surpresas e emoções. Não consigo deixar de ir de encontro ao meu próprio passado, a mesma pobreza que nos abraçava, nos confins periféricos deste país, ao mesmo tempo tínhamos uma liberdade inigualável, sem par, como uma criança sem rosto brincando nos escombros de um sítio qualquer, em meio à guerra da Bósnia.

...Vivendo em Deus e em mim
eu fui feliz
pois tudo era simples e bom quando não havia memória...pág. 14


Não tínhamos consciência plena do que acontecia a nossa volta, absolvidos pela ignorância, libertos do jugo da responsabilidade, o trabalho que sempre havia era uma brincadeira um pouco mais dura. Embora apesar disso tudo, o inverno, mesmo tropical, fazia tilintar os ossos e as noites de inverno. Havia fragmentos de dor, mas o mundo era tão grande, que a exploração nos detinha o olhar.

Antonio de Souza transforma tudo isso em alguma forma de beleza inexplicável, o simples ato de limpar o peixe, se transforma num ritual, repetido a excelência, sacralizado pelo suor de sua mãe.

...E o que ouço mesmo é minha mãe na cozinha
-          sal e alho –
retalhando um peixe de há quarenta anos...pág. 13

Entendo que ao transladar a velha casa de sua mãe até “...um arraial sem nome...” pág. 110 , numa viagem de realidade fantástica, o autor se recusa a perder uma parte dessa inocência, envolvendo-a gentilmente em uma aura mágica. No entanto, não podemos dispor do fato, que as testemunhas oculares permaneciam ainda eles em sua meninice. Como todos nós em algum lugar perdido entre a memória e a verdade.

...os meninos da cidade viram a casa alçar vôo... pág. 110
           
            Contudo todos temos que crescer, um dia nos deparamos com os fios de cabelos brancos na cabeça, fitando nosso pai no espelho como nos fala Mario Quintana. Não é por que se fica mais triste, que se fica menos criativo: a poética de António Souza está ai para provar isto, permeando por todo o seu livro .

            ...Estou ficando antigo
            e os antigos já não podem rir do equilíbrio das coisas...pág. 106

 Uma vez alguém me disse, que o perder da inocência, implicava em se ganhar um algo novo, no que em muito concordo. Mas, lá no fundo de minha’alma, está arraigado a uma lembrança, um menino amarelento, calado e cismado, embrenhado em sua solidão, me observando em tudo que faço. Antonio de Souza, e suas “Flores no Pote”, despertou este menino. Uma coisa é certa. – Me arrancou umas lágrimas doloridas este menino(*). A Bença António Souza.


(*) Escrito desse jeito mesmo, como caipira que fala direto a um amigo.


Flores No Pote. António Souza. Mazza Edições – Belo Horizonte - 2002.

Edson Bueno de Camargo – Produtor cultural na área de literatura

(Encontrei esta resenha entre arquivos antigos, e como tudo o que disse é bem verdade resolvi publicar aqui no blog, quem sabe minhas palavras encontrem o autor, bem e com saúde. Por aqui ainda restam muitas saudades. )

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