Todos tem em casa algum cemitério de coisas totalmente inúteis. Isqueiros descartáveis vazios, passagens usadas de ônibus em viagens intermunicipais, propaganda de hotéis, cartões de visita de lugares que visitamos e nunca utilizamos e não utilizaremos, pois não vamos voltar aos lugares onde eles nos seriam úteis. Conheço pessoas que guardam botões, outras cinzeiros quando a muito deixaram de fumar. Conheço poucas pessoas que usaram os fósforos daquelas caixinhas de papel, onde se destacam os palitinhos. Todas as caixinhas são guardadas cerimoniosa e cuidadosamente. Poderíamos montar outro blogue sé de inventários de inutilidades e guardados. São coisas que em algum momento exerceram um certo fascínio e depois não conseguimos nos livrar delas. Notem das coisas que nunca jogamos fora, quando da faxina, são postas de lado, e depois guardadas e esquecidas. Falo de pequenos objetos, como um canivete que nunca saiu da caixa de presentes.
Penso que nosso cérebro deve ter em algum lugar reservado com todo cuidado, um cemitério destes. As pessoas normais, em seu privilégio, com o tempo se esquecem completamente destas bobagens. Aos poetas a quem não é dado o dom de esquecer, estas coisinhas vão atormentando de tal modo, que acabam se materializando como verbo. Como verso que ninguém mais entende, que cheira a poeira de guardado. De mofo de livro, que cheira a osso velho, a morte antiga. Daí estes poemas que tem patas de inseto mumificado, de flor seca em meio a um livro. Não importa a trágica página em branco que o imprima, já vem com o ranço de amarelo, turva a visão em sépia.
Muito de minha poesia tem destas coisas desagradáveis. Foi meu amigo poeta Jorge de Barros que me alertou sobre estas extravagâncias. Poetas, como nos fala Octávio Paz, são nostálgicos de um tempo que não existe. Há um hiato entre a realidade que serve para todos e a vivência do poeta. E todos passam por isso, do mais banal derramador de ego lírico, erigindo odes a si mesmo, até o mais hermético dos surrealistas, ao modernoso poeta de invenção, ou seja o termo que inventarão agora para justificar a criação do grupelho que domina a técnica, a forma e a verdadeira poesia.
O que de fato importa, é que todos queríamos viver em Passárgada, ouvindo Manoel Bandeira declamar seus versos em voz rouca entre uma tosse e outra. Nada dá mais vida ao poema do que a voz do poeta, por pior leitor que este seja.
Um comentário:
Devemos destacar que isqueiros só são descartáveis no mundo capitalista. Em Cuba, nas praças centrais das cidades, em especial Havana, encontrarão pessoas que transformam seu isqueiro descartável em um recarregável.
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