segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Única realidade realmente palpável.



A amiga e poeta Beth Brait Alvim me manda um e-mail colocando sua indignação em relação às políticas culturais equivocadas e distantes da realidade e das pessoas, que têm sido perpetradas em nossos municípios brasileiros. Totalmente pertinente, o texto talvez não dê conta de um aspecto, os lugares onde há uma política equivocada sopra-se uma esperança que isto possa ser mudado. Existe na verdade em nosso país uma ausência de políticas culturais nos municípios, há um preconceito em relação à cultura enraizado em nosso pensamento, o de que cultura é uma coisa de elite, para poucos, ou mais terrível ainda, é algo praticado por um grupo social distinto. Quando na verdade a cultura é um pouco maior que isto.

Existe toda uma cultura popular enraizada nas pessoas, mesmo que elas não se dêem conta disto. Falo da experiência pessoal que tenho com a poesia. Vi pessoas que saiam do analfabetismo despontando para a letra escrita, colocando suas vidas no papel, troando uma rima popular que vem de suas raízes. Pessoas que sem se dar conta são poéticas em seu linguajar, e de encontro com a palavra grafada sobre o papel, se viam na contingência de escrever, mais e mais. Alguns certamente me dirão que isto não é literatura, não é poesia segundo a escola tal e tal. Ao que respondo que quem diz que uma coisa é poesia ou não, é a própria poesia. Estas pessoas são poetas enclausurados na ausência do verbo. Suas vivências já o tornaram poeta, quer pelos olhos profundos, quer pela maneira sui-generis de encarar a vida. De ler a chuva nas nuvens. De observar o passo dos insetos. De saber o nome de todas as coisas, que se mexem e que estão paradas. Coisas estas que só em sua enumeração já consistem em um poema. Nós os que tiveram o privilégio de estudar desde a mais tenra idade, não somos donos da verdade. Talvez nem arranhemos a sua superfície. O preconceito social no Brasil, cria espaços de ausência de conhecimentos, que nunca serão reparados, estas pessoas estão morrendo por conta de sua idade, e seus conhecimentos se perdem para sempre.

O próprio conceito de analfabetismo deve ser revisto, sociedades que não possuíam a palavra escrita foram relegadas ao ostracismo e suas culturas não foram consideradas pelo ocidente colonizador e auto-proclamado detentor do conhecimento. Quando hoje o conceito que se desponta são de sociedades ágrafas, que se utilizavam de outros meios tão eficientes quanto a escrita para perpetrar seus conhecimentos, a poesia é uma delas. A repetição de seus preceitos varou o tempo e o espaço, as religiões afro-brasileiras são uma prova da capacidade destes meios de criar uma permanência. Segundo as elites do princípio do século XX e sua cultura eivada do positivismo, haveria uma cultura superior às outras, equívoco que justificou a opressão e aniquilação de sociedades inteiras, da diluição e destruição destas culturas e por que não das pessoas também.

Este pensamento positivista ainda não morreu, seu determinismo-social e darwinismo-social, que em um momento da história criou o fascismo e o nazismo, entre outras pérolas do engenho humano. Este pensamento ainda está presente, quer no comportamento de certos educadores, quer na linha editorial dos grandes meios de comunicação de massa. Hoje o perigo não são as canhoneiras e exércitos imperiais invadindo a vida tribal. O perigo atual, compramos à prestação nos grandes magazines, este se chama televisão. O que seria um poderoso instrumento em favor da cultura e da educação, é seu maior destruidor. O equipamento em si não tem esta responsabilidade, mas o uso que se faz dele. E, principalmente, nas mãos de quem se encontra o controle de seu conteúdo, não se enganem com esta “conversa para boi dormir” do mundo ocidental, de que é a opinião pública. O controle está nas mãos de grupos muito pequenos, que por uma questão de ideologia capitalista, quer a massificação do gosto e da cultura. Aquela pouca que sobrou das conquistas coloniais.

O que nos resta é utilizarmos da anarquia permitida na Internet (não sei por quanto tempo), embora existam outras “mídias” alternativas, criar nossos próprios conteúdos, e fazer um “marketing de guerrilha”, agora mais do que nunca, o uso de mídias radicais é imprescindível. O que me dá ainda esperanças, é que o gênero humano é extremamente adaptável às condições do meio ambiente. Haverá o momento em que de alguma forma a ferramenta de nossa opressão será utilizados por nós. A cada um de nós cabe nos organizarmos em nossas bases. Se a política cultural de nossos municípios não nos satisfaz, devemos interferir no espaço público, que não nos é dado de graça, é nosso por direito e devemos dispor dele. Devemos também nos desvestir de nossos preconceitos e admitir que outras pessoas fazem também cultura, e por nosso conhecimento prévio e histórico de lutas, devemos dar-lhes não só oportunidade, assim como, dividir nossos conhecimentos.

Acima de tudo, para resistir devemos produzir. Por mais que nos desanimemos às vezes, devemos dar voz à poesia e ao outro que fala dentro de nós. Quem sabe esta não seja a única realidade realmente palpável: a de que criamos o mundo conforme o escrevemos.

Um comentário:

Edson Bueno de Camargo disse...

O símbolo colocado como imagem é um adrinka ( cultura africana), que significa grosso modo, que uma cobra pego a sua cabeça, é só uma corda grossa.