segunda-feira, 23 de março de 2009

Hoje vivo assombrado pela palavra.


Tenho me divertido muito explorando o Youtube, à noite sozinho eu e a tela do micro-computador, fico revendo canções dos anos 1960 do século XX, a década que não terminou. Fico imaginando como são as pessoas que colocam aqueles vídeos ali. Se são saudosistas empedernidos como este poeta velho e cansado, que fica chorando à toa, imaginado possibilidades que nunca se concretizaram. Hoje escutei algumas canções de Silvio Rodriguez Dominguez, e suas letras engajadas e belíssimas, desandou a encher-me de lágrimas os olhos. Os poetas que atualmente execram qualquer possibilidade de engajamento, sem imaginar que a palavra poeta já supõe que estamos de uma certa forma à serviço da comunidade. Elias Canetti destrincha a palavra poeta e dela extrai diversas coisas interessantes, uma delas é do poeta se converter nas pessoas que o lêem em uma trajetória ao contrário da arrogância de pessoas que conheço, que gostam de vergar o título de poeta.

Hoje é o futuro de minha infância e juventude, e carrega uma sensação de fracasso e amargo da derrota. Meus sonhos militantes eram um puro delírio, que idiota imaginar que todos queiram a utopia. Como na fábula de Buda todos precisam de pão para viver, precisam lutar contra a morte, precisam ter filhos, e criá-los, educá-los, e ajudá-los a construírem casas e terem seus filhos também. A roda da vida é irrevogável, todos estamos presos à mesma.

Agora vejo meu neto reinando pela casa, e tento imaginar em que mundo ele viverá, quais serão seus sonhos quando chegar sua vez de sonhar. Lembro de sua mãe criança correndo com seus coleginhas entre cadeiras de convenções intermináveis, palavras de ordem e discursos. Não posso emprestar-lhe os meus, não posso nem ao menos dá-los. Porque ele haveria de querê-los? O pior de tudo é ter ainda a sensação de que estávamos certos em nossa juventude, de querer um mundo melhor para todos, de viver um socialismo tão real quanto o chão que não pisávamos. Mudaríamos tudo, menos a convergência do tempo, e o fato de que quanto mais velhos ficamos, mais egóicos e umbigocentristas nos tornamos. Sobrevivemos e não ficamos sábios, ficamos chatos. Muitos de nós assumiram cargos públicos, se aferram às suas cadeiras e salas confortáveis e se tornaram tão retrógrados e alienados quanto àqueles que combatíamos. Tive minha cota de vivenciar estas relações, o que ganhei foram problemas cardiovasculares. Um artista no poder público, é tão útil quanto uma lâmpada elétrica aos aborígines do deserto. A administração pública trabalha com questões irresolvíveis, é um poço que não tem fundo. Alguns se adaptam e seguem a vida, outros, os insensatos, como dizia Bernard Shaw, tentam mudar as coisas, servir de fato ao povo, melhorar as condições de trabalho, e se quebram em mil pedaços, espalhados pelo limbo.

Mas falava de saudades, de canções que nos levantavam, que nos faziam acreditar, hoje como já disse outro dia, vivo uma ambigüidade estranha. A poesia flui pelos meus ouvidos como o som do vento nas pedras e as ondas batendo na praia, é mais forte que a necessidade de viver. Aliás continuar vivo é uma coisa que me incomoda, por muito tempo pensei que tinha nascido para morrer cedo, esqueci de que o último herói de todos os tempos foi covardemente assassinado nas serras da Bolívia. Hoje vivo assombrado pela palavra e pelos fantasmas de mim mesmo que morreram, mas continuam em mim.

3 comentários:

José Carlos Brandão disse...

Elias Canetti disse que o poeta é o cão do seu tempo. Já basta. Mas acrescento que deveria morder o calcanhar de muito arrogante que despreza a poesia porque não a conhece.
Abraços.

Leticia Brito disse...

Meu caro amigo, não deixa de ser triste ler essas suas palavras, afinal, ao menos você teve pelo que lutar, quanto a mim e os demais que nasceram comigo já foram feitos amordaçados.
Esse mundo mascarado e lamentável infelizmente é mais real que nossos sonhos, por isso nos mantemos vivos se não deixamos de escrever.

Pedro Du Bois disse...

Meu bom Poeta: considero que a existência desse seu texto é, por si mesmo - e por mim -, sinalização suficiente para saber que sua vida valeu a pena: e assistir ao neto reinando, sim, complementa o viver. sei como é o sentimento de perda (em 64 eu tinha 16 anos), mas, também, sei que aprendemos - todos - a conviver com isso, sem deixar que nossa(s) verdade(s) se extinga. Parabéns pela sua vivência e suas palavras. abraços, Pedro