quinta-feira, 14 de maio de 2009

Al-hurriya













Viola de cocho feitas pelo artesão Alcido Ribeiro dos Santos.

Apois pro cantadô i violero
Só há treis coisa nesse mundo vão
Amô, furria, viola, nunca dinhero
Viola, furria, amô, dinhero não... ”

Elomar (Elomar Figueira Mello)

Alforria (palavra composta:Árabe al + Francês feurre, livre) ou seria simplesmente a palavra árabe al-hurriya (a liberdade da qual temos forro, hurr = livre). – Fonte:. wikipédia.


Que coisa sem juízo estes versos que parecem tão simples, ao qual eu destaco o último, “Viola, furria, amô, dinhero não. ”. Do que mais podemos precisar?

“Viola” - A viola pode muito bem ser substituída pela palavra poesia, pois aqui se resume o ofício do cantador, que a sua maneira é um produtor de poesia, tradição que vem de tempos imemoriais. Cantar para o poeta, é algo além das suas veleidades, não conheço um único poeta, mesmo os mais arrogantes e donos das únicas verdades ( ou a última da moda), que não se postam diante da poesia em gentil humildade. A poesia é a senhora, nós cantamos, porque cantar é o que nos resta. Sem a palavra nem seria necessário ter boca. O bom poeta sabe que é voz, o som é a criação de tudo no universo.

“Furria” – O poeta Elomar toma a liberdade, de usar sua própria linguagem, cria uma palavra mais dócil, e de paladar agradável, mas não se engane, em uma única palavra pode conter-se muitas verdades. Mesmo usando um aparente neologismo, ou aqui neste caso, um antigologismo, uma vez que esta forma é muito popular nos nossos sertões, e desde quando (vamos saber, o povo fala a língua e a amansa bem antes do primeiro gramático ter nascido, ou pensado), o fato é que dando o seu palavrear muito particular, a palavra torna-se mais profunda. Alforria, é a liberdade que vem do árabe, a liberdade da qual temos forro, é a condição de sermos donos de nossa alma. Ao que se pese o corpo o tributo da morte, nossa alma é nossa, assim como nossa dignidade, e se não temos jugo, a dignidade também é nossa. Quem me dera um dia em meus toscos poemas conseguir dizer tanto com uma única palavra. E que valor tem as coisas se não temos liberdade, talvez paguemos um preço alto por nossa insolência, mas é preciso que sejamos livres até de nós mesmos. Livres de nossos desejos, livres diante da verdade. Só os que se despojam de suas jóias e aparatos sociais, conseguem andar pelo mundo sem se vergar ao seu peso.

“Amô” – Empédocles, em sua filosofia, dizia que o amor é a força que une todas as coisas. Os quatro elementos que constituíam tudo, eram ligados com a argamassa do amor. Sendo que este amor do poeta, é um amor sem possibilidades de retorno, sem necessidade de conciliações, é o amor puro e sem constrangimentos. É o amor de toda uma vida, é o que se devota aos amigos e à família. Só um homem livre pode amar verdadeiramente. Àquele que conta suas moedas o tempo todo, não sobra tempo para amar, e quando ama é um amor conspurcado pela cobiça, não ama uma mulher pelo que ela pode lhe dar de prazer, ama pela posse da pessoa como objeto. Tem uma relação infantil com a vida, achando que precisa ser compensado o tempo todo pelo que perdeu no passado.

O amor que realmente é importante, é o que cria a possibilidade de sermos amados.

“Dinhero não” – Ao que me pesem críticas à minha pessoa, que sou sossegado, pouco ambicioso, que nunca lutei pela vida de conforto que tenho. Tenho o que me basta, e isso é suficiente. E o que me basta é o que eu tenho, não preciso de mais nem menos. O dinheiro tem de ser uma ferramenta e não um fim em si mesmo. Vivemos em um limiar dos tempos, onde por conta de ganhar dinheiro o tempo todo e a qualquer custo, toda a natureza corre risco de ser destruída. Vamos dar de herança aos nossos bisnetos, leitos secos de rio, um grande deserto e montanhas de lixo. Pior ainda a solidão de nossa espécie, não teremos outros viventes por companhia. Parece que o ser humano não tolera a si próprio, mas está dizimando espécies que nem sequer chegamos a conhecer, só sobraremos nós seres humanos no mundo? Ainda pior que tudo isso, estamos matando a alma de nosso planeta, há um veneno que se implanta nas pessoas, que se tornam zumbis. Nós também fazemos parte deste frágil equilíbrio que é a vida. O meio ecológico do homem é a tecnologia, desde a lança com ponta de sílex e o fogo, nossa super-especialização pode ser uma armadilha para nossa extinção. O acúmulo de riquezas é algo artificial, tão ilusório quanto é tudo o que há na civilização. O poeta e o homem justo não devem querer além daquilo que os sustente. Tudo o que temos a mais é supérfluo, tudo além da palavra é peso que temos que carregar.

“Viola, furria, amô, dinhero não. ” – Três coisas nestes mundo vão, e a antítese que se coloca no fim da frase, sendo “não”, a última palavra, como um vaticínio, de se o cidadão do mundo tem as três coisas, ou a quarta não é necessária, ou virá no tempo certo e diante da necessidade justa. Cantar tem sido a grande necessidade de minha existência, a poesia é a única coisa com sentido, por não carecer de sentido algum. Apesar de ter seu preço, e tudo o tem, tenho o controle de meu destino, não saberia viver sem liberdade, um homem sem liberdade está pela metade. Um dia Diógenes sentenciou que se Arístipos, de Cirene, se satisfizesse com lentilhas não precisava bajular o rei, pois bem um homem que precisa de pouco está mais perto de ser livre do que o contrário. Fosse minha pessoa sensata, tivesse bajulado o rei de minha cidade, estaria ocupando hoje um bom emprego, o que seria justo pela minha competência e atuação, ao que sempre tento caminhar pela justiça, tenho que me virar com menos.

Lentilhas a parte, o amor poderia ser uma coisa complicada, não para mim, pois encontrei o amor de homem e mulher na adolescência ainda, e como não acredito em possuir pessoas, pude e posso viver este amor com toda a intensidade. O tempo acreditem, nos torna mais amáveis como amantes. Tenho o amor de meus amigos e a minha casa está sempre cheia. Tenho o amor pela cria, minha prole deu cria, e tenho um neto que só por existir me faz exercitar o amor.

Termino esta crônica com as palavras do desbocado poeta, Wally Salomão: "O que amas de verdade permanece, o resto é escória"

3 comentários:

Jorge de Barros disse...

Este que segue é filho do seu texto. Sem mais...

PROVÉRBIO e SAPATEIROS

ao poeta do século passado


"A PRESSA É INIMIGA DA POESIA"

por isso nós, companheiro, sapateiros da palavra
desses tempos somos desconhecidos

por isso nós, companheiro, Bandarras que somos
professamos a fé na loucura

e de que vale sermos antena da raça,
se é tempo de muros, empreendedores e GPS?

Edson Bueno de Camargo disse...

Senão fosse bandarra o que me sobraria. Antes vagabundo, rufião, poeta ou puta, que perder minha alma.

Jorge de Barros disse...

Então, bebamos! Quando vai ser a próxima?