quinta-feira, 23 de julho de 2009

Literatura, por quê?

Outro texto reciclado e adaptado de 2005, que é pertinente às nossas atuais discussões.


Ninguém é absolutamente sábio que tenha o domínio de todos os conhecimentos o tempo todo, ninguém é absolutamente tolo, para não aprender da forma qual for ou ensine a partir de suas experiência pessoais.


Há uma tendência inevitável de compararem-se linguagens literárias, literatura e teatro no nosso caso, porque o teatro tem reconhecimento internacional e coisa e tal, isso pode desembocar num tipo de engano. Literatura e teatro têm virtudes e vicissitudes, são artes de naturezas distintas, e interessados também distintos, embora e não raramente, existam pessoas que transitem pelas duas Artes.


O teatro trabalha com um volume de público relativamente grande para a sua fruição, tem necessidade de grandes espaços, trabalha com a ilusão em nossos jovens que ao se tornar um grande ator, entrará num mundo de riqueza e badalação, muitos enxergam no teatro o caminho para o sucesso pessoal e profissional dentro da televisão, não que haja algum pecado nisso, mas por conta disso o teatro abre em vantagem junto a um volume maior de assistentes e pessoas interessadas.


A literatura por outro lado, muitas vezes é um exercício de solidão, raro o poeta ou escritor que consegue produzir em meio a um grande público, são necessárias doses de solidão, estudo e meditação, sem que isso signifique que o poeta deva se isolar do mundo existencial. O tempo da literatura é outro, são necessários muitos anos para que um texto ou poema atinja um grande público, e no caso de países com problemas de letramento de sua população, como é o Brasil, este tempo pode se tornar ainda maior. Isso não tira da literatura a virtude de ser o aspecto cultural que conte de fato a história de um povo. A Grécia Clássica se perderia no tempo e no espaço como se perderam tantas outras culturas, se não fosse um Homero e sua Ilíada, Sófocles e seu teatro, sem falar dos pais da civilização ocidental, Platão e Aristóteles, que colocaram em letras as palavras de seu mestre Sócrates e dos fragmentos maravilhosos da lírica de Safo.


O Grande ABC é extremamente pródigo em escritores, mas muito pobre em pessoas que queiram assumir a sua história, quase todos estão voltados para fora, muitos até negam a existência de uma literatura própria da região, recusando-se a serem aqui localizados e esforçando-se para serem reconhecidos como paulistanos.


Devemos buscar também nas narrativas populares nossa fonte de inspiração, criar grupos de excelência para tornarem-se referência. Temos que tomar o cuidado de não cair em aspectos tecnicistas que vêem o mundo e as coisas apenas pelos aspectos práticos, devemos nos contrapor ao mundo que vê tudo com uma etiqueta de preço. Octávio Paz fala que a poesia, que podemos transferir com exatidão para a literatura e a arte, é a alma existente e viva de um povo, vai mais além, afirma que a civilização humana não sobreviverá ao fim da poesia. A Taba de Corumbê talvez esteja fazendo o malogro de gritar para o deserto vazio, não colheremos os frutos de nosso trabalho, mas se persistirmos veremos a transformação do mundo em algo melhor, preparamos o caminho e o banquete para os que estão por vir, prova cabal disso é hoje o convívio sem conflitos e de forma fraterna de pessoas de pelo menos três gerações diferentes, se não de quatro, onde adolescentes trocam informações e conselhos de forma igualitária com pessoas de terceira idade.


Nos últimos anos temos ouvido falar em cultura pública a palavra “descentralização” como se esta fosse a panacéia, a cura para todos os males. Ora não vamos negar os possíveis benefícios que a distribuição de aparelhos púbicos e cultura e lazer podem trazer para a periferia das grandes cidades, todo equipamento e espaço público novo é bem vindo, só que isso não pode ser realizado ao custo do desaparelhamento dos centros, da extinção de trabalhos que já estão dando certo. Temos que tomar o cuidado de não repetir conceitos de apartheid cultural e cultura de guetos tão comum aos países de colonização anglo-saxônica, que não convém e não trarão benefícios à nossa já sofrida população. As pessoas e em especial os jovens afluem quase que naturalmente aos centros das cidades em busca de lazer, cultura e diversão, dadas certas distâncias, é mais fácil tomar a condução coletiva e desembarcar no centro do que o fluxo entre os bairros, uma ação descrentalizada está fadada a influenciar e beneficiar somente o em torno imediato do equipamento ou ação. Pior ainda poderá transmitir a falsa idéia, que a periferia é seu lugar, negando-lhe psicologicamente o acesso aos espaços públicos centrais, criando uma sensação de não pertencimento, colocando em cheque o próprio conceito republicano de estado laico, de todos para todos.

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