Lembro do dia em que definitivamente percebi que nunca seria cristão, quando me conscientizei que a máxima, "ama ao próximo como a ti mesmo" era a espinha dorsal do cristianismo e descobri que não me amava. Ao contrário me odiava de morte. Passei a puberdade me odiando e querendo morrer a cada esquina, a cada espinha, a cada quilo que engordava inexoravelmente, a cada fantasia de rejeição, ao fato de ser feio e desajeitado (como se todo adolescente não fosse), ao de ser um fracassado no esporte, às complicações inerentes da idade e que ninguém nos contava que era natural. Odiava o fato de enxergar mal e cada dia ver menos. Odiava ter a compreensão do mundo dilatada, embora equivocada, e de ser mais inteligente que os outros, e sentir uma fome inesgotável de conhecimentos. Odiava aquele deus mal e cruel que em tudo colocava o dedo e sempre dava as piores soluções. Odiava minha sensibilidade e tinha um medo terrível de que isso significasse uma menor virilidade. Escrevia poemas escondido, às escuras, às avessas. Lia com uma devoção religiosa, mas passava por idiota para não ser notado em minha intelectualidade. Não sinto a menor saudade de minha juventude, eu era infeliz e sabia.
Mas se não nos amamos, como amar o outro? Como ver o outro como bom, se assim não nos vemos? Não é possível a compaixão sem amor.
O tempo é o único senhor do mundo, e diante dele tudo se dilui, os ódios arrefecem, as iras se aplacam, o medo cansa. Aí nos entregamos à vida como ela é, simplesmente ser, sem sentido algum. Algumas pessoas mergulham no abismo, e cessam, outras o escondem sob o manto da fé, pois sabemos que contemplá-lo é muito doloroso. A outros cresce dia a dia uma indiferença, que se não é a morte, é como se fosse. Hoje ainda não me amo, mas isto não importa mais. Felicidade é um momento e um estado de espírito artificial, a tristeza nos torna mais alertas e conscientes de nossa vulnerabilidade.
O conceito de beleza da sociedade ocidental, se baseia na punção de morte. Eros cede cada vez mais espaço a Tânatos. Dentro do princípio que não há mais passado, porque se busca o novo o tempo todo, e é negado o futuro, porque o que importa é só o hoje. A partir deste pensamento que se pode moldar e traçar metas irreais de corpo, como se pudéssemos colocar as pessoas em formas e torná-las uniformes. E mesmo que isto fosse exeqüível, não é esse o objetivo final. A meta final da sociedade de consumo é que todos sejam infelizes, e incomodados com isso, e que preencham sua necessidade de felicidade eterna com produtos de consumo. Ser feliz é ter o carro tal, com itens, que, provavelmente, passada a euforia original da novidade, nem sejam utilizados. Ser feliz é imprescindível, pague-se o preço que se pagar por isso.
Lojas da moda, mesmo as mais populares, trabalham com o conceito das pessoas comprarem roupas para usarem pouco e descartarem. Tudo passa a ser item de consumo, mesmo coisas básicas como o vestir. Pessoas de meia idade com o peso acima da média, e que compram roupas para vestir e não ostentar, como meu exemplo, dificilmente encontrarão o que lhes caiba nestes lugares, os tamanhos diminuíram e não foi só eu que aumentei. Tive o disparate de comparar uma roupa extra-grande com uma G, e não GG, que tinha das minhas camisetas velhas e a G antiga era maior.
Existe na mídia toda uma pseudociência, anunciando os malefícios da obesidade, médicos da moda, que são notadamente embusteiros a procura de notoriedade e dinheiro principalmente, colocando inverdades como verdades absolutas e omitindo estudos que comprovam que as pessoas adoecem, não importa sua massa corporal. Há gordos e magros, com câncer, diabetes e problemas de coração no mundo. Não posso negar que a obesidade em certo grau é um complicador para a saúde, mas temos que tomar cuidado com as mitificações, doenças genéticas ligadas a marcadores nos cromossomos estão sendo equivocadamente relacionadas com a obesidade. No passado ser gordo era bom perante a medicina, hoje é mal, nos dois casos há um erro de conceito, um bom médico é o que avalia paciente por paciente, não por baciada. O gordo é o novo leproso que deve ser banido da sociedade.
As pessoas e nós morremos porque somos factíveis, é a única certeza que existe, a mídia usa isso o tempo todo, mas de forma distorcida, “aproveite enquanto se é jovem”, “ viva a vida, e tome Coca-cola”. No entanto o outro lado da moeda fica meio obscuro, crianças fazendo cirurgias plásticas, escravas de uma indústria da moda cada mais selvagem em seus hábitos, cada vez mais pedófila e deformada em sua sexualidade. Há um mundos de tarados e desviados sexuais dominando a mídia, e tudo parece bonito aos olhos de todos se veiculado a exaustão.
Na educação escolar nos deparamos com uma situação de intolerância extrema, o estranho, o diferente, o disfuncional é tratado com crueldade, violência e estranheza. Como se não enxergássemos nossas diferenças ao nos olharmos com o devido cuidado, e o que nos torna mais humanos é isso, a possibilidade da multiplicidade. O despeito e a inveja são os sentimentos que substituem, a compreensão e a solidariedade. E tudo isso permite, que nossos opressores, que são invisíveis o tempo todo e desconfio que sejamos nós mesmos (pois afinal quem sustenta a televisão e tudo mais, não somos nós mesmos?), operem como toda a liberdade. Há uma caça às bruxas aos políticos maus e corruptos, como se estes fossem uma classe a parte da população em geral, como se não fornecêssemos os nossos próprios filhos para este extrato social, como se a classe média infeliz e desejosa de compensações, não sustentasse o tráfico de drogas comprando-as.
Há um novo mito que surge, a do jovem invulnerável, imortal e imoral, eternamente jovem e belo, um narciso corrompido pela húbris, com suas motos possantes vazam faróis vermelhos, com seus carros incrementados estacionam nas vagas dos deficientes, usam esteróides para adquirir massa muscular, passam horas em frente a espelhos e nos vendem esta imagem como o protótipo do perfeito. E todo um exército de seguidores fiéis, que não tem os carrões nem as motos, mas tentam imitá-los na medida do possível. Em resumo é a idealização da imbecilidade. Por outro lado as mocinhas passam fome, usam roupas desconfortáveis, e se resumem cada vez mais em uma vagina onde os “bombados” depositam suas frustrações. Em relações sexuais cada vez mais focalizadas no órgãos sexuais, a nova opressão é mostrar o sexo em tudo até que se enjoe do corpo, o corpo é para mostrar não para se desfrutar; é o totalitarismo do falo. Mesmo as mulheres passam a ter um comportamento fálico, andrógino e violento.
Ai da poesia que é uma ferida de Narciso, mas daquele que se contemplava nas águas plácidas do lago, o espelho hoje é o outro, de quem importa-se só a admiração. As pessoas precisam parecer belos e não se sentirem belos.
Quando um bando de doidas que vivem no umbigo do mundo fazem uma campanha para que as mulheres se aceitem como são, independente do bombardeio diário da mídia em suas vidas, cresce uma centelha de esperança. Sou pessimista por natureza, mas creio que o mundo se move por pequenas iniciativas isoladas que se somam. É na mulher real que o mundo se sustenta, são elas que educam as crianças, cuidam dos doentes, enterram seus mortos, administram a casa na guerra cotidiana e na paz provisória em que vivemos, cada vez mais são quem provém o sustento e o abrigo dos seus. Quase sempre iniciativas de economia solidária e sustentável, ações de reciclagem de materiais e reuso da água, são ações de mulheres. Em muitos casos são a reserva ética da humanidade, e as mais capazes daquilo que nos torna mais humanos: o exercício da compaixão. Se estas mulheres além de tudo isso, aprenderem a se amar também, tomarão conta do universo.
Um comentário:
Magnifico texto, meu amigo, até recomendei ele numa aula da faculdade onde estavamos falando de gênero.Pudera as mulheres se olharem no espelho e sentirem orgulho de sua imagem, isso faria com que eu ouvisse menos relatos de frustações.
Parabéns, Edson, a cada dia me torno mais sua fã, mesmo sabendo que um dia ainda iremos descordar um do outro,rsrsrs.
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