sábado, 27 de fevereiro de 2010

Considerações sobre o texto "Por que continuar lendo Paulo Freire?" de Moacir Gadotti



Ao abordar o tema “ Por que continuar lendo Paulo Freire?”, prefácio do Professor Moacir Gadotti para uma das edições mais recentes da “Pedagogia do Oprimido”, nos deparamos com uma questão que vai um pouco mais além dos aspectos teóricos do problema abordado. Paulo Freire rompeu a fronteira da experimentação meramente científica, seus alunos e colaboradores não eram simplesmente um estudo de caso, eram seres humanos que mereciam e merecem ser tratados como tal. Ao subverter a ordem perversa de que o culpado pela ignorância é o adulto analfabeto, Freire coloca na discussão aspectos históricos e sociológicos, que muitas vezes ficam fora das discussões acadêmicas, o ser humano, a pessoa e não o número coisificado,  é algo de suma importância.  Acima de tudo, Paulo Freire se coloca também como membro da espécie humana, e portanto dentro do rol de acontecimentos e não como um observador olhando de um nicho seguro.

Existe uma herança maldita que os países da América Latina carregam: colonização forçada; massacres de populações autóctones; uma economia de monoculturas, baseada de fora para dentro e principalmente a mancha vergonhosa da escravidão, colocando um destaque para o Brasil, que deu uma sobrevida muito grande ao período de escravidão, ponto chave para sua economia, mas causa de estagnação e a desastrosa mudança do sistema de educação jesuítico para as Cartas Régias de forma violenta e sem transições, somado o fato que educação popular por muito tempo não foi uma preocupação das autoridades. Muitos são os fatores que construíram a exclusão social neste período histórico, a exclusão social  construída impeliu às pessoas a ignorância e não o contrário, como era afirmado no final do século XIX e na primeira metade do XX, dentro de um pensamento positivista e determinista de nossas elites, inclusive as culturais e as responsáveis pela educação no país (que se diga de passagem, ainda tem uma forte predominância). O povo brasileiro de classes mais baixas, era visto até então como indolente e pouco afeito à aquisição de instrução, pessoas analfabetas e ignorantes,  sempre se deixando de lado uma riqueza cultural invejável, que por muito tempo ficou invisível. O analfabeto mal ou não era visto como um ser criativo e produtivo, muitas vezes ou quase sempre, a bagagem cultural desta pessoa era posta de lado pelos educadores, que não viam potencial nos conhecimentos da Cultura Popular que carregam.


Quando nos vemos diante de uma realidade mediática, isto é, construída pelos meios de comunicação e não pelo estudo científico, coloca-se a partir de uma abordagem neo-liberal, que estes fatores históricos deveriam ser desprezados e que são as pessoas culpadas pelo seu fracasso, e portanto também pela sua falta de escolaridade. Há quase que uma volta ao passado, onde os darwinismos sociais e determinismos, renascem como feridas.  Não podemos esquecer nunca que estes pensamentos no passado criaram condições para o colonialismo, fator de atraso dos países do terceiro mundo, do racismo que justificou este sistema exploratório e do surgimento do nazi-fascismo que quase destruiu o mundo como o conhecemos e criou tanta dor e sofrimento para a humanidade. Existe uma campanha de esmaecimento de períodos ditatoriais em nosso país, alguns infelizmente muito recentes, os quais alguns de nós testemunhamos em vida, que para além das liberdades democráticas, atingiram em cheio a educação e cultura de nosso país. Revistas e periódicos tentam agora amenizar este período com reportagens e editoriais de fontes duvidosas. Paulo Freire foi vítima de um revisionismo histórico no mínimo criminoso e difamatório, o qual não merecia.  

Nos vemos diante novamente da obra de Freire, humano que enxerga o ser humano com o carinho e cuidado necessário. O conhecimento humano evoluiu a ponto de entendermos novos mecanismos para a inteligência, e principalmente que o termo analfabetismo é inadequado para sociedades ágrafas, que constroem seu conhecimentos e  cultura independente do uso da palavra escrita. Culturas sobreviventes à ataques a sua integridade. Não cabe no mundo mais um pensamento único e unilateral.

            É preciso que nos humanizemos novamente. A  cada dia, devemos impedir que a rotina nos torne máquinas frias e calculistas, não cabe ao educador vislumbrar seus alunos como meras peças que saem da produção, e devemos ver que a produção das máquinas também é feita por seres humanos. Acima de tudo, que pessoas que lidam com seres humanos tem de ser seres humanos também.

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