sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Hanssen, Castelo - Um cego fita o horizonte – All Print Editora - São Paulo – 2009




Um dia o gravurista japonês Hokusai disse que com o passar dos anos e o desenvolvimento de sua técnica, seus desenhos passariam a ter cada vez menos elementos e aumentar o seu significado. É o que sinto na primeira impressão lendo “Um cego fita o horizonte”, do poeta Castelo Hanssen, sua enganosa simplicidade e despojamento, mostram o trabalho de um mestre em ação, demonstram que o poeta tem de se tornar amante das palavras, dormir com estas, se servir de palavras no café da manhã, e principalmente beber as palavras junto com uma boa cachaça, ou mesmo um copo de água quando se está com “aquela” sede.

Castelo faz uma poesia que estaria em desuso segundo alguns segmentos da “inteligenzia” literária nacional, com momentos pueris e outros soco no estômago. Vem na contra-mão de qualquer modismo, em um fazer poético muito focado no que chamamos no Brasil de “poesia marginal”, prova que toda a poesia é necessária e não existe um formato padrão ou canônico. Não faz concessões estéticas, e muito menos está preocupado com uma fórmula, a forma interessa menos que o conteúdo. Castelo nos faz chegar a sua mensagem, através de versos quase singelos, mas carregados de profunda significância, mexe com nossa psique mais íntima, toca nas cordas sensíveis do coração. O que vemos à mostra o tempo todo, é um ser humano completo, a poesia de Castelo Hanssen não é pudica, é pública, é andar nu o tempo todo como os índios, sem vergonha nenhuma de ser o que se é, sem medo nenhum de mostrar que sonha e constrói pequenas utopias. Um livro com sobressaltos, há poemas susto, mas principalmente, momentos para lidar com as emoções que carregamos trancadas a sete chaves, em um momento da história em que temos vergonha de sermos humanos, de chorar lágrimas sinceras, de se indignar com as coisas indignas, de sermos índios o tempo todo em território de brancos.

O livro carrega até um momento de revolta com a própria poesia, em “O verso não veio (poema de desamor à poesia)”, fala da poesia que nos incomoda o tempo todo, mas que tem vida própria e não nos serve em momentos em que precisamos dela, não somos nós que vamos a ela, mas o contrário, a poesia se serve de nós quando a apraz; no final do poema o poeta vaticina “já não sou mais poeta / estou de saco cheio”. Mas no poema seguinte, logo depois do desabafo, o poeta se reconcilia com a poesia em “Ave Peregrina” e reafirma a maior qualidade da poesia em um mundo de mercenários onde todos esperam paga, “esse caminho não me leva a lugar nenhum, / é por ele que eu vou”, Castelo ressoa em sintonia com o poeta mexicano Octávio Paz, que afirma que a poesia é salvacionista por não conter elementos de salvação, ela nos salva de nós mesmos, é algo que não se pode atribuir valor monetário, em um mundo que mergulha em um abismo mercantilista, onde tudo tem preço e ninguém tem alma. A morte da poesia será a morte do ser humano como nós conhecemos.

É necessário mencionar o poema que figura na quarta capa, encerrando o livro com “chave de ouro”, como se este fosse em si um longuíssimo soneto, por uma profunda identificação com o tema, preguiçoso contumaz e confesso que sou, “Santa Preguiça conservai a nossa humildade, / Macunaíma, seja vaidoso por todos nós.” Por fim, resta falar que a poética de Castelo Hanssen está permeada pela solidão, condição humana por excelência, pelo amor necessário, mas não necessariamente realizado ou compreendido. Ler Castelo Hanssen ainda dá um frio na espinha de quando éramos românticos sonhadores, escondidos nos porões e catacumbas.

A poesia de Castelo me lembra o leve amargo e doce intenso do doce de cidra que minha mãezinha, poeta dos tachos como Cora Coralina, ainda faz de vez em quando.

Um comentário:

José Carlos Brandão disse...

É preciso vazar os olhos para enxergar o real - ou o mágico escondido sob o lixo do real.