segunda-feira, 24 de maio de 2010

Premonição, ou palpite infeliz mesmo.



"Ela é fundamental. Ser máquina, despida de emoções.
Arrancar de dentro sentimentos e atirá-los ao lixo.
Liberar-se dos empecilhos.
Não se comover com o choro, a dor e a tristeza alheias
A dor do outro é do outro, não pode penetrar em você, te algemar."
(Impiedade - Inácio de Loyola Brandão)
“Entretanto, o verdadeiro poeta está à mercê de seu tempo – sujeito a ele, servil, é dele o mais humilde criado. Está atado a seu tempo por uma corrente curta e indestrutível ( ... ) Sim, não fora certo sabor ridículo diria simplesmente: o poeta é o cão do seu tempo. Elias Canetti.”



Percorro meus papéis antigos em busca de uma pasta de documentos (que aliás não encontro), quando dou de cara com um autógrafo do escritor Inácio de Loyola Brandão, na capa de minha antiga pasta de poemas (nos idos de 1980 todos cabiam em uma pasta). Fiquei tão feliz em achar aquele pedaço de meu passado que até esqueci a frustração de não encontrar meus documentos, perdidos no caos cotidiano que se tornaram meus papéis.

Já tinha me esquecido deste quase vaticínio que pacientemente, um já bem consagrado escritor, escreveu para uma pessoa muito jovem e inexperiente dos caminhos e dos tombos que a vida lhe daria. Não lhe mostrei nenhum de meus poemas da época (ainda bem), mas assim mesmo quando lhe afirmei com tanta categoria que era um poeta (que petulância a minha), olhou bem em meus olhos e escreveu:

Edson,

Vá em frente,
Firme.
Poeta é herói.
Herói nada,
É batalhador,

Abraço

Inácio de Loyola Brandão

2.10.80

É muito interessante, pois esta data é muito emblemática, exatos dois anos depois, no dia dois de outubro de mil novecentos e oitenta e dois, nasceria minha filha, com a minha colega de escola que na ocasião me acompanhava (a perdi a caminho de casa, longa história, depois nos achamos e tantas vezes, que nossas vidas se entrelaçaram) .

A prefeitura de Santo André, em outubro de 1980, organizou uma série de palestras com escritores, fomos levados por uma professora de português do colegial, que também era escritora, Katsuko Shishido. Um dos motes do círculo de eventos era justamente a produção e a criação literária, a confecção de um livro. A palestra com o Inácio de Loyola foi uma das mais interessantes, pois se tratou da questão da opção de uma pessoa pela literatura, e dos caminhos que teriam que ser desenvolvidos. É engraçado que muito do que falo hoje, em palestras para jovens estudantes ou aspirantes à escritores, ouvi naquela noite, sobre dedicação ao seu trabalho, cuidado, e ser teimoso mais que perseverante, de dar horas do dia para o seu livro, que é um caminho espinhoso e que pouco retorno nos dá, mas que é muito prazeroso em certos momentos. Escrever para mim, há muito transcendeu o universo de uma possível profissão, é tão importante como respirar, preciso de palavras nas veias na mesma proporção que o oxigênio.

Palavras muito interessantes, me foram presenteadas, que embora tragam em si um certo peso, pois poesia é mesmo um fardo muito pesado, estimulam um jovem totalmente desconhecido e petulante (é preciso muita crista para se afirmar poeta assim, sem mais nem menos), a continuar escrevendo, hoje é muito comum vermos escritores consagrados praticamente agredindo, qualquer jovem escritor que dele se aproxima. São palavras generosas, que me ajudaram em um momento de muitas dúvidas, creio que quando temos dezoito anos, só temos dúvidas. Atualmente vivo uma dicotomia, pois já não tenho mais dúvida alguma, cheguei naquele momento de ter todas as respostas, mas não tenho certeza de nada. De repente, não ter dúvidas, não significa em nada ter certeza de coisa qualquer.

Da minha pasta de poemas originais, restam muito poucas semelhanças, do poeta e da poesia. Não trago mais quase nada da arrogância do rapaz de dezoito anos, que tinha sonhos grandiosos, que assinou a ficha de filiação de um partido que também nascia naquele ano. Éramos revolucionários e desejávamos morrer cedo e na glória. Neste ano de 2010, 24 de maio, decorridos praticamente trinta anos, meu neto faz cinco anos, não morri cedo para minha frustração, vivo a agonia da morte lenta da pós-modernidade, e escrevi tantos poemas que não cabem mais em uma única pasta de elásticos, aliás não cabem mais em minha casa, correm o mundo para cima e para baixo, já viraram livros, alguns publicados, outros à espera paciente de sementes prontas para germinar no momento certo.

Na meia idade, não adquiri muita sabedoria, continuo a escrever versos. A poesia corre como tinta misturada a meu sangue, como já disse antes. Não tenho a saúde nem a altivez daquele jovem impetuoso, sou um dos cães de meu tempo, como disse Elias Canetti, guardião de algo que não compreendo completamente e nem todas as pessoas à minha volta a percebem com a importância que dou.

A poesia é a corrente que me ata ao chão do quintal de onde uivo para a lua.

9 comentários:

José Carlos Brandão disse...

Edson, a poesia é a corrente e é a lua e o uivo. Por que escrevemos? Não vamos salvar o mundo, nem a nós mesmos. Uma danação? Talvez. Uma luz, uma iluminação, com certeza. Escrevemos poesia para não viver no escuro. Talvez apenas uns clarões, mas belos sempre.
Usei essa frase de Elias Canetti como epígrafe de um poema do meu livro Presença da Morte. É marcante: "o poeta é o cão do seu tempo".
Ah, eu dizia coisas como:
"Abano a cauda feliz com o destino
que antevejo, com a coleira no pescoço.
Mordi o rabo das bezerras no pasto
e corri como um louco atrás das cadelas.
Coisa simples, a vida, não fossem as estrelas."
E concluía:
Com a língua de fora, resfolegando,
ignoro o verme nas ancas me comendo,
antecipado. Vivemos a antevéspera
do que nunca veremos acontecer."
E continuamos, nadando contra a corrente - do rio da vida e da coleira no pescoço limitando-nos a sermos prosaicos, autômatos, eficientes, racionais, cegos - e lembro-me da metáfora de Saramago, estamos num mundo em que estamos cada vez mais cegos. Somente a iluminação da poesia nos salva.
Abração.

Gerber de Sá disse...

Nem premomição nem palpite; e eu não diria destino, isso é vago.
Foi, e é sim, para nossa sorte; uma necessidade.

Abraços
Gerber de Sá

everi carrara disse...

ÓTIMO,SOMOS TODOS BATALHADORES MESMO!!!
abçs
everi carrara

João Alberto Tessarini disse...

A poesia é a corrente que me ata ao chão do quintal de onde uivo para a lua.

Grato.
João Alberto Tessarini

Rosana Banharoli disse...

Edson,que belo depoimento. Um poema transgredindo a forma. Infelizmente, tirei Loyola do meu pedestal, em 92, quando me cobrou por uma nota em jornal empresarial destinado a estudantes. Seu momento, com certeza, foi feliz. Como somos tantos!

Rosana Banharoli

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Carlos Henrique André disse...

Salve Edson!

Por aqui em Diadema pouca coisa. Clóe 5, com Aristides, circulando. Pessoas no geral no entanto distantes da poesia.

Bom ler seu texto. Bom saber que você complexiza sua relação com a poesia ao ponto de torná-la vida.

Saiba que é esse um caminho que outros por aqui também divisam, por indivizável que seja. Veja o Marcelo Torres, eu, o Severino Poeta.

Há muito de belo em ser cão e, às vezes, até alguma tragicidade. É verdade que vale mesmo a manha, o charme de sê-lo. Ficamos mais perto de deus.

Abraços,

Vá em frente,
Firme.

Carlos.

Anderson Felix. disse...

Edson, poeta querido!

No mesmo mês minha vida começava. Não que tenha alguma coisa a ver, ou
melhor, para quem como eu acredita que o acaso não existe - é apenas o
nome que damos ao que não conhecemos - deve ter lá alguma coisa a ver.
Parabéns pelo texto, pela lembraça, e pela belíssima frase "A poesia é
a corrente que me ata ao chão do quintal de onde uivo para a lua".

De um lado, você fazendo/vivendo poesia. De outro, eu tentando
aprender e ensinar filosofia.

Um forte abraço e, em de sucesso, bom trabalho!
Anderson Felix.

Celso de Alencar disse...

Oi Edson
Parabéns por essa história. A história contribui sobremaneira para a invenção poética.
beijo deste camarada
celso

Hildebrando Pafundi disse...

Boa noite caro amigo e brilhante poeta Edson Bueno de Camargo.
Não sei se é sorte, destino ou coincidência.
Mas o Ignácio de Loyola Brandão é um dos escritores que mais admiro. Tenho quase todos seus livros, inclusive o primeiro, Depois do Sol (contos), lançadop em 1965, quando ele trabalhava na Última Hora como crítico de cinema. Fui até lá e fiz uma entrevista com ele, pois nessa época eu já era colaborador do antigo jornal Folha do Povo. É lógico que tenho esse livro autografado em minha biblioteca. Muitos anos depois eu o encontrei novamente, na Bienal do Livro de São Paulo, mostrei aquele livro, ele ficou emocionado, e aproveitei para dar a ele o meu primeiro livro individual de contos, Tramas & dramas da vida urbana, publicado em 2004, que está esgotado. Este ano deve sair a segunda edição.
Um elogio de Loyola, não devemos desprezar. Tem mesmo que mostrar.
Saudações
Hildebrando Pafundi