quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Impressões sobre "Cabalísticos" - por Jorge de Barros

Foto de Thaís Riotto


Impressões sobre "Cabalísticos"

Jorge de Barros

Olhando para o autor


Entro por teu livro como quando entro na tua casa. Já conheço a disposição dos móveis, os hábitos dos moradores, sei que tem uma bebida forte em cima do armário e me sento na sala com uma sensação boa de conforto e hospitalidade. Então retomamos velhas conversas e engendramos novos assuntos nessa atmosfera amistosa.

A Beth (*) falou em "chancela" e eu entendi isso como a consolidação de um estilo. Você chegou a um ponto em que a leitura de dois ou três versos já revelam a sua impressão digital. Me agrada a coerência do tópos feminino e telúrico, o seu instrumental de formas, imagens, metáforas e efeitos, construídos artesanalmente por meio de recorrências várias.

Mas será que devo temer essa posição confortável a que chegou meu amigo e poeta? Muitos artistas costumam se encastelar sobre um estilo adquirido com medo de perder o espaço tão ardorosamente conquistado. Creio que não. Tenho certeza que, no próximo livro, você me chamará para tomar café no porão ou no telhado.



Olhando para os versos


Zeus, para se tornar poderoso, teve que assimilar e dominar o feminino devorando sua esposa Métis. O contrário disso são os xamãs que, para alcançar a sabedoria, se efeminizam ao dar as costas para as guerras, mergulhando fundo na alma da Natureza. Essas são as duas posturas possíveis do homem frente ao feminino (Eu quase usei “sagrado-feminino”, mas tenho a impressão de que essa expressão seja redundante). A primeira, a postura patriarcal presente nas matrizes do mundo ocidental ensina que “as mulheres devem se calar no templo”, a segunda, mais antiga, presente nos cultos a Pachamama e Gaya e outras divindades ctônicas, ensina que as mulheres são o próprio templo. E aqui que se situa a poesia de Edson Bueno.

A mulher, nesses poemas-orações, é a mãe, a esposa, a amante, mas principalmente a terra. O campo lexical está repleto de elementos naturais, na maioria das vezes, postos de maneira surpreendente e inquietante, desafiando a lógica racional tão cara ao domínio do “masculino”, o que é coerente com o todo.

Assim como o xamã, o poeta se encontra na liminaridade, eis a fonte de seu conhecimento, pois ele habita a ponte que há entre o masculino e o feminino, um ponto de vista privilegiado, capaz de revelar as relações intrínsecas entre os dois lados e os caminhos capazes para qualquer tipo de transformação. O xamã é a ponte do vivo com os mortos, na cultura com a natureza; o poeta é a ponte entre o racional e o ilógico, entre a matéria e a palavra, entre o discurso e o sonho. E cai bem na poética de “Cabalísticos” esse casamento entre xamanismo e poesia.

Agora, para não dizer que só falei de flores, senti um certo esgotamento das imagens e dos temas, uma certa circularidade que, na minha impressão absolutamente pessoal, pode ter passado do ponto. Precisaria de leituras mais atentas para afirmar categoricamente onde, como e por que isso possa ter ocorrido, mas tenho a suspeita de que possa ter vindo justamente de uma das qualidades do poeta: a prolificidade. Mas se pensarmos que a natureza também tem na fertilidade um de seus atributos, até esse “defeito” pode ser visto, no final das contas, muito mais como um “efeito” da obra. Bem, que outros leitores o digam.

Agora, resumindo tudo, gostei pra caralho!


Abraço,

JdB

http://ooficiodoocio.blogspot.com/

(*) Beth Brait Alvim

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