segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cultura, coisa de gente teimosa e provavelmente insana.



“@paulomujica Na condição de que nunca serei situação, me cabe a qualquer governo ser oposição. Só assim posso me fazer cidadão.”

Outro dia no Twitter ao entabular uns resmungos sobre as velhas questões de Cultura, dar uns cutucões para ver se algum tatu sai da toca, recebi uma resposta que me deixou encabulado, o artista em questão disse que “me cabe a qualquer governo ser oposição”, entendo a partir disto que nunca colaboraria com qualquer governo em qualquer assunto que fosse. Embora considere uma postura legítima, me fez pensar para comigo mesmo algumas implicações.

A primeira delas é: será que devemos ser tão radicais? Ser oposição quer dizer nunca colaborar e se possível sabotar? Saiamos um pouco da questão cultural e imaginemos um desastre, as pessoas que fazem os salvamentos são agentes do governo, e se por qualquer motivo faltem pessoas e somos solicitados a ajudá-los, por uma questão filosófica e postura ética, devo deixar pessoas em risco eminente sem salvamento porque não concordo em colaborar em qualquer coisa com um governo ao qual sempre serei oposição? Saindo do campo hipotético, tenho colaborado com algumas administrações que governam minha cidade, mesmo que por vezes de forma intempestiva, com ações ligadas à cultura e literatura. Raramente ou quase nunca sendo remunerado, tenho conversado com estudantes em escolas municipais, organizado sarais, oficinas e work-shops. Faço parte de um grupo de escritores, que tem se mantido de forma capenga, e muitas vezes usamos espaços públicos para nossas reuniões e ações. Já fui acusado de colaboracionista por pessoas da direita e da esquerda, por detratores e por pessoas que considerava amigas, sou mal visto pela minha família, e a cinco anos não arrumo uma ocupação decente, vivo de bicos e favores. Como traidor da causa (não sei qual). Mesmo que nunca em nenhum momento tenha defendido fulano ou cicrano com a condição de me deixarem trabalhar, não participo de campanhas políticas que não de minha filiação partidária, que não escondo de forma alguma. Nunca condicionei participação cultural a contra-partidas, e uma única vez que isto me foi sugerido, mandei a pessoa em questão catar coquinhos. Tenho amigos em políticos, pessoas que conheci em diversas condições, e não faço a menor cerimônia em cobrá-los de posturas que deveriam ter em relação a Cultura, em alguns lugares mal me toleram, e em outros sou verdadeiramente persona non grata. Sou o perguntador inconveniente nas palestras. Sou o chato que sempre cobra as coisas, o camarada que se articula em conferências e em congressos e depois vai buscar a aplicação das resoluções coletivas. A falta de memória destas pessoas é coisa assustadora.

Seguramente fazer cultura em uma cidade periférica, provinciana, e proletária, pouco afeita ao que não seja diversão imediata ou comida, não é coisa de gente normal. Se formos examinados por um clínico, certamente se descobrirão psicopatias que curadas nos tornariam pessoas normais e obreiras. Mas a vadiagem criativa também é um vício. E por mais que diga que não farei mais nada e cuidarei de minha vida, lá estou eu engajado em um movimento qualquer. É a Pinacoteca que se encontra abandonada, é a biblioteca que não tem prédio próprio, são pessoas que me buscam perdidas sem saber o que fazer com aquilo que tem nas mãos, sem entrar em méritos de qualidade, uma pessoa lograda escrevendo poemas é tida como anormal, e como Rilke nos amaldiçoou a todos, não podemos parar de realizá-lo.

Um outra questão relevante, é que se não podemos aceitar ajuda ou ajudar qualquer instituição ou organização que seja governamental ou sustentada por elas, onde recorrer a recursos que precisamos para fazer nosso trabalho? Tenho visto organizações alternativas passarem um sufoco danado para equilibrar suas contas, na hora de decidir em assembléias pela autonomia absoluta sempre há bastante gente, que vota de forma ruidosa e tonitruante. Quando começa a necessidade de trabalho duro para a construção de projetos e de trabalhos voluntários este número reduz-se drasticamente, quando chega o momento de buscar recursos, de passar o pires, em geral este número zera. (Quando a iniciativa fracassa, as pessoas ruidosas retornam para dizer que faltou empenho dos que sobraram, em levar o projeto adiante. )

Então vamos ter uma visão empresarial, vendemos nosso trabalho artístico, mas exatamente para quem? Não só não há um mercado de trabalho para artistas, bem como não existem empresários dispostos a bancar, a partir de seu ativo, obras e ações culturais. Quase sempre são iniciativas governamentais travestidas, o dinheiro que está nas mãos dos empresários ou é fomento direto, ou renúncia fiscal, então será uma ação governamental de qualquer maneira.

Só em uma atitude totalmente anárquica, poderá ser totalmente livre, mas aviso, os resultados serão inócuos. O seu grafiti será considerado vandalismo e lhe cuspirão na cara se oferecer poesia em um panfleto no farol. A classe abastada, e uma possível elite, não consegue enxergar como arte coisas feitas no país, as pessoas presas ao dia a dia, nem nos enxergam. O último baluarte da arte livre é a Internet, e mesmo essa depende de incentivos governamentais via universidades e da iniciativa privada, em sumo estamos ou no colo de um ou na mão do outro.

E por fim, mas longe de esgotar o assunto, me lembro de uma conversa que tive com o Márcio Barreto, que organizou a I Virada Caiçara (evento só possível com a parceria com a prefeitura de São Vicente, e que mesmo assim, na última hora, não forneceu transporte para os artistas de fora da cidade), que aconteceu este fim de semana. Durante o 8º Sarau Caiçara dentro da Virada, conversávamos animados sobre o evento, quando chegamos à conclusão que continuar fazendo Cultura era coisa de gente teimosa e provavelmente insana, teimosos insanos, mas pessoas criativas, que tem na Arte mais do que somente uma forma de expressão de seus sentimentos, visionários, esperam que a Cultura e a Arte sejam agentes de transformação do mundo, temos que acreditar que estas iniciativas devam fazer a diferença em algum momento. Caso contrário realmente nos tornaremos loucos, e todos caminharemos felizes à destruição total do mundo que está neste momento sendo perpetrada pelo mundo capitalista.





(Importante, o Paulo Eduardo Rocha (@paulomujica), que espero que continue meu camarada no Twitter, tem o direito a uma réplica, que publicarei no blog a qualquer momento. )

5 comentários:

Paulo Eduardo da Rocha disse...

Pois, caro Edson, não li nada que desabone teu texto. Quando me refiro a ser oposição a qualquer governo, está longe de ser um despeito mesquinho com as instituições realmente eficazes inerentes a quaisquer governo(no caso do eventual voluntariado mencionado). Sou oposição por sabedor da má vontade dessa gente com as diversas questões reais, concretas e urgentes no cotidiano e que dependem unicamente de 'execução' de leis. Pense em transporte público decente, saúde pública e disponibilidade de lazer e cultura, pra não alongarmos o papo.

Abraço!

Edson Bueno de Camargo disse...

Caro Paulo,

Entendo perfeitamente tua posição e a considero absolutamente legítima.

Lidar com certos burocratas não é para estômagos delicados. é coisa muito enojante mesmo.

Se sentir necessário terá aqui o espaço que quiser,

Grande Abraço,

Cristiano de Oliveira disse...

Boa Dia, camarada, Edson...

Este questionamento que vc levanta no seu artigo é demasiado pertinente e, paradoxalmente, irrelevante. Não há mais conflitos com isso, este é um estado estabilizado da condição de artista. Resta-nos se adequar a dura realidade dos dias modernos. Eu tenho insistido em bater na tecla da "BANALIDADE". Em termos práticos, faço coisas Banais para questionar Banalidades. É isto que a internet necessita todos os dias... E eu estou querendo me adequar a isso.

Sobre ser oposição, tem um artigo na Revista Piauí, que trata do papel da esquerda nos dias atuais e eles enumeram uma série de práticas da esquerda. Interessante o artigo, apesar de ser conformista em dizer de que nada adianta. É uma ação vazia: Ação pela ação! Mas acho que ser oposição por negação ou rejeição, por conluio ou contradição, não importa. Papel de oposição é fiscalizar, criticar e cobrar posturas avessas as práticas nocivas a uma sociedade plena, justa e organizada. Isso nós já fazemos quando resistimos.

Dizendo do fundo da alma, nenhum deste questionamentos me incomodam... Acho que sempre fui e cada vez mais estou ficando "Cara-de-Pau", sendo ético. Assim, transformo meu defeito em virtude. Faço o que tenho que fazer e quem pagar leva. Seja o poder público, as iniciativas privadas, os favores, bicos, o poder paralelo, a marginália de toda estirpe. Desculpa, mas não pergunto a procedência do meu dinheiro. Quero apenas a existência dele com a dignidade de fazer o que quero, apenas. Me diversifico, mas não me complico mais. Tento compreender a realidade que me circunda, me sufoca e me entender nela com agente "largueador" da ordem. Minha realidade envolve tudo isso e não posso negar esta verdade inexorável.

Bem, acho que o artigo é pertinente como nunca, mas irrelevante como sempre.

A vida segue e a gente se perde, não na memória, mas na ânsia da glória.

Forte abço

Chris

Edson Bueno de Camargo disse...

Caro Chris,

Como eu disse na conclusão " mas longe de esgotar o assunto".

Tenho por mim que tudo o que fazemos é banal, não leva a coisa alguma. Ao menos o amigo me levou a sério, creio que nem eu faça mais isso.

Quanto as questões de dinheiro, só não vendi a alma para pagar dívidas porque e minha não vale nada. o diabo não compra o que tem de graça.

Grande abraço de palhaço.

Cristiano de Oliveira disse...

Meu querido, Edson,

Estou ofendido com você.
Putz! Eu não te levo a sério, nem você e nem ninguém, tenho uma reputação de putaria (ops!) palhaçaria à zelar.

Todos os assuntos são inesgotáveis enquanto houver criatividade para debatê-los. Estou num momento de ceticismo extremo quanto ao discurso. Acredito que o que vale é a qualidade da idéia num discurso criativo. Coisa cada vez mais rara nestes tempos de determinismo técnico deste positivistas travestidos de agentes reacionários de condutas hipócritas e posturas pragmáticas, burocratas, insensatas. Um bando de almas ingratas que querem se vender pra Deus porque o diabo não os valoriza. Como o diabo sempre diz: "_Comércio de almas é coisa para demônios sérios e não crianças". O Sindicato do inferno pretende entrar com uma ação civil pública por difamação:"_O negócio é coisa para profissional!" Os diabos sempre se gabam.

Na verdade vos digo, caro camarada, Edson: "Aos diabos com eles!"

Eu penso em me matar todos os dias, quando acordo, mas lembro do Camus e seu Mito de Sísifo. É a minha pedra esta vida, ou eu aceito isso como fato inerente e carrego, mesmo sabendo que não tem sentido: Carregar por carregar. Ou eu não carrego. Pra mim, ostracismo total. Acho que é por isso que não morremos, gostamos da idéia de finitude, de momento, de unidade, fragmentação; estimula a nossa busca por compreensão das partes como um todo e/ou do todo pelas partes.

Quanto a questão de dinheiro, puta-que-pariu, motherfucker! Duas pedras para uma vida. Que bosta!

Família, reconhecimento, amores, trabalhos, pedras, pedras e mais pedras num só caminho? Nem andando junto quanto mais sozinho.

Hehehehehehe

Fujamos das seriedades, das formalidades, da barbaridades. Somente brutalidade.

"Se os poetas morrem de sensibilidade, a brutalidade nos alimenta." (André Breton)

Abço Chris

O Palhaço de Aço,
Macho: Eu Acho.
Mas num braço me despedaço nos espaço esparso do teu abraço.
Qual caminho eu faço?
Esculacho!