segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Da incompletitude em “NÓS QUE ADORAMOS UM DOCUMENTÁRIO” de Ana Rüsche, edição da Ourivesaria da Palavra



“NÓS QUE ADORAMOS UM DOCUMENTÁRIO”

Edson Bueno de Camargo

Ao terminar de ler “NÓS QUE ADORAMOS UM DOCUMENTÁRIO” de Ana Rüsche, edição da Ourivesaria da Palavra, ficamos com uma sensação que nos falta algo, como se tivesse sido extirpado qualquer coisa de dentro de nosso ventre que nos era importante, mas não lembramos o que foi tirado. Como se sofrêssemos um aborto, sem ao menos ser possível engravidar. Uma esterilidade filosófica e social, que nos leva a negar nossa realidade ou tentar permanentemente transformá-la.

Ouvi do poeta Cláudio Willer, que dentro do domínio da palavra existe o conceito que se está escrito, de alguma maneira, existe. A palavra tem o dom do surgimento de mundos, portanto quando Ana escreve uma biografia inventada, trabalha dentro do mundo do possível, do que pode se transformar em possível e das múltiplas possibilidades. Não raro nos emocionamos com as situações em que as personagens do livro estão envolvidas, mesmo tendo plena consciência de que são criadas pela autora.

Ao evocar, sem afirmar categoricamente, uma possível esterilidade, nos põe em contato com a nossa esterilidade pessoal e de cada um, a de que nem sempre conseguimos produzir os frutos que a vida nos exige. A ausência de maternidade simbólica, ou real, cria um contraponto com a criação de uma realidade, o roteiro do documentário do mundo futuro. A grande obra da poesia.

O ser humano tem uma natureza incompleta, esta incompletitude nos faz sentir sempre a realidade como alguma coisa que nos falta. Isto cria os colecionadores, que juntando objetos vários tentam dar sentido à sua vida. Ana Rüsche coleciona lembranças, que nem sempre precisam ser verdadeiras (e se pensarmos bem, há momentos na vida que isto nem faz importância mais). Se a vida que temos não nos satisfaz, criamos uma nova e a partir desta vivência o artificial passa a ser natural. Não é a toa que o último poema do livro evoca “a quarta pessoa”, aquela parte de nós que Zeus exilou quando nos cortou no meio exato, tornando o ser humano de um ser perfeito em um ser eternamente em busca de si mesmo.

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