quarta-feira, 7 de julho de 2010
Sobre a função do poeta.
“...
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
...
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!”
No caminho com Maiakóvski, Eduardo Alves da Costa, Editora Círculo do Livro, 1988, página 40
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar.”
Martin Niemöller - pastor luterano alemão, da época do nazismo
Há uma coisa que acontece em minha cidade que me incomoda deveras, para as pessoas comuns e normais presas ao seu cotidiano selvagem, isto não significa nada, nem se dão conta do que lhe tiram à surdina. Já fui chamado de louco e intransigente, mas imagino que o crescimento do sentimento de ódio nacionalista e racista na Alemanha nazista, deve ter ocorrido dentro de princípio muito parecido. Há alguns anos atrás, o juiz-diretor do Fórum de minha progressista cidade, Mauá - SP, apartou um pequeno pedaço de terra pública e criou um início de feudo. Fechou um espaço público, pertencente à municipalidade, que na época era uma passagem natural muito usada pelos munícipes, de trânsito mais fácil, em especial aos transeuntes com necessidades de locomoção, um local que contava com maior acessibilidade. O bloqueio foi aceito de maneira bovina pelo então prefeito, e seus bajuladores, advogados-procuradores que deveriam cuidar da legalidade, mas estavam mais preocupados com o emprego (pessoas sensatas), estes aplaudiram a iniciativa, uma vez também, que não seriam afetados, pois nunca foram pedestres. Lentamente, primeiro com fitas amarelas e pretas, mais tarde com uns cavaletes, depois com uma cerca de aço, foi se consolidando algo como um mini muro de Berlin. O certo é que o fórum de minha provinciana cidade, no melhor estilo “apartheid”, agora tem uma entrada exclusiva para advogados e funcionários do fórum. Como se os cidadãos comuns, não dotados do diploma de Direito, fossem menos cidadãos que os doutores, em frontal desrespeito à Constituição e seu princípio de igualdade. Hoje vejo uma área pública, que deveria ser de uso comum pela rés-pública, ferindo o conceito republicano de ir e vir. O público reservado a apenas alguns privilegiados.
As pessoas se acostumam com uma coisa, e passam a pensar que ela é certa e normal. É assim que se forma um pequeno pedaço de tirania, que como o óleo, contamina a água, bastando uma pequena quantidade para destruir um manancial. Assim é com a intolerância, o preconceito e a destruição das liberdades. É uma construção lenta e gradual. Os acontecimentos do dia para a noite, levam anos de fermentação.
Fosse a minha pessoa um sujeito sensato, permaneceria calado, mas não sei ser assim, seria mais feliz do contrário, teria menos problemas, menos desafetos. Tenho pago o preço por minha boca grande e o excesso de zelo com aquilo que tenho como certo. Se nos guiarmos pelas palavras do dramaturgo irlandês George Bernard Shaw - “O homem sensato adapta-se ao mundo. O homem insensato insiste em tentar adaptar o mundo a si. Sendo assim, qualquer progresso depende do homem insensato.” – quem sabe em minha insensatez esteja fazendo algo pelo progresso de minha cidade e por reverberação e sincronicidade, ao universo.
Como podemos querer um projeto para um país melhor, se conceitos arcaicos e medievais ainda permanecem no pensamento de nossas autoridades? Parece que nunca vamos nos libertar da escravidão e sua moralidade escravista, esta psicose neurótica que está grafada na alma do brasileiro, um sadismo sem tamanho contra o mais fraco. Este de pensar a sociedade em castas, dominada por uma pseudo aristocracia, que se assenta sobre a coisa pública, como particular, em apropriação indevida e ilegal. Como exigir de nossos jovens, o agir com respeito às Leis, quando aqueles que deveriam dar o exemplo, lhes ensinam todo o tempo a usufruir de suas prerrogativas, e não se comportar como empregados do povo, coisa que de fato o são.
E neste momento, podem me perguntar o que um poeta ou a poesia tem a ver com isso? Lembro que no ano de 2006 na Escola Livre de Literatura a atriz Mônica Rodrigues, nos deu para ler um ensaio do Elias Canetti muito bom, que integra o livro “A consciência das palavras”. No texto de nome “O ofício do poeta”, Canetti revela seu incômodo em encontrar o escrito de um autor anônimo, datado de uma semana antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. "Tudo, porém, já passou. Fosse eu realmente um poeta, teria necessariamente podido impedir a guerra". A partir dessa assertiva, que inicialmente chega a irritá-lo pelo tanto que revelaria de pretensão, Canetti constrói uma longa e acurada reflexão sobre o papel do poeta. "Graças a um dom que foi universal e hoje está condenado à atrofia, e que precisariam por todos os meios preservar para si, os poetas deveriam manter abertas as vias de acesso entre os homens", afirma ele, em certo momento entre outras coisas sobre a compaixão. De repente me olho no espelho e além do velho que vejo, vejo o poeta que vive por trás de meus olhos, que me encara com desesperança. Penso que a universalidade é inerente do ofício que escolhi, ou pensando melhor, ofício que me escolheu. É fácil se indignar com o muro que separa a Jerusalém dos palestinos pobres dos judeus abastados, da cerca que segrega a América Latina dos irmão ricos do Norte, mas o muro no quintal de minha casa é fácil de esquecer.
Pois há um muro ou cerca de ferro, ou qualquer outro subterfúgio com o intuito de separar os pobres, os analfabetos, os negros, dos homens bem nascidos ou estudados, e isto está a um quarteirão de minha casa. O que dói em mim, não é o muro, mas a indiferença com que este está posto. Vejo pessoas idosas e com dificuldades de locomoção andando muitos metros a mais, em uma calçada cheia de imperfeições, na beira de uma perigosa avenida, respirando gás de escapamento, tendo de subir e descer escadas; enquanto os togados, usam o espaço que deveria ser uma passagem mais segura e natural, para guardar seus carros caros em meio às árvores e a tranqüilidade.
Fosse eu realmente um poeta, teria necessariamente podido impedir tudo isso.
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